Cepticismo. Porquê?

No passado sábado, a Comcept realizou mais um evento dos Cépticos com Vox, mas desta vez optámos por levar o cepticismo a Coimbra. Para este encontro, realizado na Cafetaria do Museu da Ciência, não fomos muitos, mas a conversa correu animada e, como habitual, estivemos longe de esgotar o tema.

O tema que optámos para esta edição andou à volta do Cepticismo enquanto movimento global e serviu como apresentação da Comcept, daquilo que já fizémos e daquilo que contamos fazer no futuro. Como não será de admirar, houve um destaque especial à primeira conferência sobre cepticismo organizada pela Comcept – a ComceptCon.

Quando falamos sobre Cepticismo invariavelmente gera-se alguma confusão entre esse termo e a negação de tudo. É frequente ouvirmos dizer que os cépticos não acreditam em nada, quando na verdade a questão é mais complexa que isso. Duvidamos é de muita coisa. No essencial, o cepticismo é manutenção de uma dúvida razoável sobre um determinado assunto até que tenhamos reunido informações suficientes de maneira a emitir um juízo. Juízo esse que será sempre provisório enquanto existirem mais dados a considerar.

É óbvio que o movimento céptico na actualidade prende-se mais pela denúncia de fraudes, superstições e pseudo-ciência. E isto acontece porque em determinados assuntos, o juízo está feito. Se houver novos dados a considerar, esses assuntos serão analisados de acordo. Não há, no entanto, novos dados a considerar no campo da astrologia. Até agora ninguém conseguiu demonstrar que a posição do sol nos céus de há milénios atrás terá influência na personalidade ou no futuro de um indivíduo na actualidade. Ainda ninguém conseguiu provar que a homeopatia, violando todas as leis da física e da química, consegue ser mais que um placebo. Temos vestígios suficientes para assegurar que as Pirâmides do Egipto foram construídas por seres humanos e não por Extraterrestres.

Mas pergunta-se: Para quê tanto esforço, ou porque razão nos dedicamos a estes assuntos. “Isso não interessa”; “Se as pessoas querem acreditar em (inserir pseudo-ciência/superstição/teoria da conspiração, etc), elas devem ter a liberdade de o fazer”.

Na realidade, não temos nada a ver com as crenças de cada um. E temos perfeita consciência que muitos nunca serão convencidos pela razão e por exercícios de raciocínio lógico. Mas é esta cultura de indiferença que permeia a sociedade actual, onde se confunde opiniões com factos ou crenças pessoais com dados empíricos, que torna possível a equiparação entre ciência e superstição, entre fantasia e realidade. É esta mesma indiferença que permite que uma astróloga ofereça conselhos médicos na televisão e que bolas de açúcar sejam vendidas como medicamentos na farmácia.

As pessoas são livres de acreditarem naquilo que quiserem. Mas idealmente deveriam estar informadas e deveriam saber onde procurar informação fidedigna sobre um qualquer assunto. Acima de tudo, afirmações falsas ou sem fundamento não devem circular sem qualquer oposição. As superstições e o pensamento mágico não devem estar equiparados ao conhecimento científico. 

A cidade universitária serviu também de pano de fundo para algumas tendências preocupantes no meio académico. Se por um lado, assiste-se a alguma indiferença perante a infiltração de pseudo-ciências e superstição nas universidades, por outro lado, essa indiferença confere-lhes credibilidade e equiparação a ciências propriamente ditas.

Curiosamente, dois biólogos das Astúrias que compareceram neste Cépticos com Vox, e a trabalhar presentemente no Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, informaram-nos que existe um projecto online que consiste em expôr as universidades espanholas que dão abrigo a pseudo-ciência. Intitulada a lista da vergonha o site pretende chamar a atenção para a infiltração de pseudo-ciência no meio académico. Valerá pena começar a fazer a listagem das universidades portuguesas que dão abrigo à pseudo-ciência?

Foto: L Abrantes

Apesar destes encontros mensais terem nascido em Lisboa e concebidos no Café Vox n’A Voz do Operário, julgámos que seria interessante descentralizar um pouco e tentar abrir espaço ao cepticismo noutros locais que não a capital.

Os Cépticos com Vox voltarão a Lisboa brevemente, mas o nosso desejo é criar a oportunidade que outras cidades possam realizar encontros deste género, independentes do evento em Lisboa.

6 Comments

  1. Mais uma vez pergunto, e visto que não obtive resposta ao meu outro comentário, se defedem tanto que a Homeopatia não passa de placebo, como explicam que funcione (e com muito sucesso) em animais e crianças???
    Devido às evidências clínicas do sucesso da Homeopatia em inúmeros casos, creio ser muito prematuro dizer que não passa de um efeito placebo e de “bolinhas de açucar vendidas nas farmácias”! Concordo sim que a ciência ainda não conseguiu explicar os fundamentos científicos da Homeopatia, mas se pesquisarem mais um pouco percebem que ainda não foi feito muita investigação nessa área, e muito por culpa da sociedade médica actual que se diz ameaçada pela Homeopatia… Lá por a Homeopatia ainda não ter sido comprovada com experiências científicas não quer dizer que não funcione, e o que é certo é que há milhares de casos de sucesso comprovados clinicamente.
    De qualquer forma, boa sorte com o vosso cepticismo. E já agora se puderem respondam aos comentários que vos fazem nos posts, penso que seria mais interessante!

    1. Olá Nuria,

      As pessoas podem melhorar por diversas razões, que podem não ter nada a ver com o último medicamento que tomaram. Já falou e muito bem do efeito placebo, mas esse não é o único factor de “confundimento” em medicina. Por exemplo, a maioria das doenças acaba por passar espontaneamente ou, possuí fases mais agudas do que outras. Uma pessoa que toma o medicamento, normalmente na pior fase da doença, pode facilmente convencer-se do seu poder curativo quando na verdade este não fez absolutamente nada, já que a doença iria melhorar de qualquer das formas (aconselho a leitura deste post: https://comcept.org/2012/04/17/correlacao-nao-implica-necessariamente-causalidade/).

      Quem administra o medicamento pode facilmente convencer-se do seu poder curativo ao dar demasiada importância às aparentes melhorias e ao negligenciar sistematicamente os falhanços, são os chamados viéses de confirmação. Daí que estudos clínicos, que se baseiam na simples observação directa da progressão da doença, tenham menos valor que outros, são bons numa fase inicial para dar pistas, mas nunca para dar um “veredicto”.

      No caso específico dos animais há que ter em conta também o condicionamento do comportamento animal por parte do tratador, que muitas vezes nem se apercebe do seu efeito (ver mais aqui: http://www.sciencebasedmedicine.org/index.php/is-there-a-placebo-effect-for-animals/) E mais, eu não vejo porque um animal ou um bebé não pode experimentar o efeito placebo, mesmo não entendendo o que é um medicamento, qualquer animal ou bebé gosta de receber atenção redobrada do seu dono ou pais, uma das componentes do efeito placebo.

      Como vê, existem diversos factores que podem confundir a nossa compreensão destes assuntos, e nem sequer mencionei todos. Muitos dos quais devem-se única e exclusivamente à falibilidade humana, inerente a todos nós, quer sejamos padeiros, homeopatas ou cientistas, e espero que compreenda que é por essa razão que testemunhos pessoais, por mais numerosos que sejam, pouco valem para a ciência (ver https://comcept.org/2012/04/29/evidencia-anedotica/).

      Torna-se portanto necessário recorrer a ferramentas especiais que permitam eliminar estes erros da percepção humana. A jóia da coroa dessas ferramentas são os estudos randomizados duplamente cegos. Os estudos têm de avaliar um número generoso de indivíduos, escolhidos aleatoriamente, de forma a reduzir a probabilidade do efeito se dever apenas a uma simples coincidência, como uma melhoria espontânea. E têm de ser duplamente cegos para mitigar o efeito do “efeito placebo” dos pacientes, assim como, os viéses de confirmação do próprio cientista/médico que administra o tratamento e observa os resultados. Isto é possível ocultando, tanto dos indivíduos como do médico, quem toma o medicamento real e quem toma uma substância inerte (o placebo). Um terceiro interveniente fica assim responsável por guardar o “segredo” até ao fim do estudo, para não influenciar os resultados.

      Quem defende a homeopatia até pode mostrar os tais “milhares de casos de sucesso comprovados clinicamente”, mas se estes estudos não tiverem o rigor que se exige então não valem absolutamente nada (ainda assim gostaria de saber como se chega a esse número). Não acho que a quantidade deva sobrepor-se à qualidade, especialmente num assunto tão importante como a saúde. Mesmo que fosse impossível para a ciência saber o mecanismo por detrás da homeopatia, continua a ser possível saber se esta funciona ou não. Uma coisa não invalida a outra. O mecanismo exacto de muitos medicamentos convencionais continua por explicar e, no entanto, sabemos que independentemente disso eles funcionam, precisamente devido aos estudos randomizados duplamente cegos que falei em cima. E esse mesmo tipo de estudos dizem que a homeopatia não funciona melhor que um placebo (ver review do primeiro professor de medicina alternativa do mundo, Edzard Ernst, ele próprio formado em homeopatia: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20402610). Para mim o que é prematuro é afirmar que a homeopatia funciona quando há mais de duzentos anos continua a falhar redondamente em fornecer provas convincentes disso, há investigação sim, o problema é que nem toda possui o rigor que se exige…

      Espero ter respondido a todos os pontos, e sim a discussão é sempre interessante.
      Cumprimentos

  2. Boa tarde!

    Tem a certeza que deixou aqui na COMCEPT um comentário? Andei à procura e não o encontrei, pelo menos sob o nome Nuria Viana.

    A que se refere quando fala em evidências clínicas? É importante definir a que se refere para que não haja confusões.

    Pode indicar-me casos – devidamente estudados – onde a homeopatia funcione com animais e crianças? E já agora com adultos também?

    Quando dizemos que a homeopatia não é mais que um placebo estamos a referir-nos aos estudos clínicos que comparam a homeopatia em relação a um medicamento ou a um placebo. Os estudos que são bem feitos – aleatórios , duplamente cegos – demonstram que a homeopatia não é melhor que um placebo. Veja, por exemplo, este estudo http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20402610

    Existem muitos factores que condicionam o efeito de um tratamento – desde a nossa percepção subjectiva, a duração da doença e até a maneira como esse tratamento corresponde à nossa expectiva. Estes são factores que estão bem estudados, daí a importância de tê-los em conta na avaliação de um qualquer tratamento.

    Mesmo sem compreender os mecanismos, se houvessem resultados positivos quanto à homeopatia, poderíamos dizer que ela funciona. Mas esse não é o caso, falta-nos resultados que demonstrem que a homeopatia é eficaz para uma quantidade de casos.

    Conhece ou sabe apontar estudos clínicos, bem feitos, com os controlos necessários e estatisticamente significativos que demonstram que a homeopatia é eficaz ou melhor que um placebo?

    Duvido que a sociedade médica actual se diga ameaçada pela homeopatia. Quem se deveria sentir ameaçado pela existência de produtos homeopáticos nas farmácias deveriam ser os consumidores que desconhecem o que é a homeopatia e que assumem que é um medicamento a sério porque estão classificados com esse nome.

  3. Eu tenho sempre grande ceticismo em relação a tudo, especialmente quando não se entende nada sobre um assunto que não se domina minimamente mas há quem queira refugiar-se atrás da ciência para justificar banalidades.
    Para mim basta este exemplo, não preciso da ciência para nada independentemente o que ela afirme porque para mim é natural não beber leite a não ser da sua mãe.
    Quando a ciência diz então que o leite de vaca é bom para crianças só pode estar a gozar connosco, esse leite é bom sim para o filho dessa vaca. Assim é a natureza e elementar.

    1. Caro Du Lecker

      Felizmente, o Homem sempre soube contornar o que a Natureza lhe impõe, com mais ou menos sucesso. Imagine o que seria uma criança conseguir sobreviver se tivesse a infelicidade da mãe morrer ou a mãe não ter leite e não existir outra mulheres que pudessem amamentar. Imagine o que seria dela sem o leite de animais.

      Eu sinto algum cepticismo em relação a pessoas que usam da ciência e da tecnologia e desprezam-na simultaneamente. O ser humano está inserido da natureza, mas estamos aqui os dois a conversar, graças a outros homens que não se contentaram com o que Natureza lhe oferece.

    2. Caro(a) Du Lecker,
      Há uma diferença entre possuir um cepticismo em relação a tudo e possuir um cepticismo selectivo contra coisas que vão contra as nossas crenças pessoais e preconceitos, este último é infelizmente quase universal no ser humano, e é precisamente o contrário do que defendemos aqui. Não entendi o que essa história do leite tem a ver com o assunto aqui falado, mas se é disso que quer falar tudo bem. Que o consumo de leite foi vantajoso para a espécie humana é algo que não me parece que alguém consiga demonstrar errado, foi algo que influenciou a nossa própria evolução, com a expansão da tolerância à lactose nas populações humanas com acesso ao leite, tal era a vantagem que o leite conferia. Se afirma não precisar da ciência para nada e se o seu argumento se baseia na defesa exclusiva daquilo que, pelo menos aparentemente, é o natural, a primeira coisa que me ocorre perguntar é o que faz com esse produto da ciência chamado computador, para não falar da electricidade e internet? Por outro lado, se a sua posição se baseia nos problemas éticos de explorar outros seres vivos para nosso proveito, neste caso as vacas, não vejo problema algum nisso, é uma posição tão respeitável como outra qualquer, não terá é nada a ver com ciência.

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