Asas de Elefantes

Asas de Elefantes é uma parábola de PZ Myers que retrata o conflito entre a ciência e pseudociência como uma discussão entre cegos

Este texto é da autoria de PZ Myers, cientista norte-americano e professor associado de Biologia na University of Minnesota Morris (UMM). Ele escreve regularmente no blog Pharyngula, tanto na plataforma ScienceBlogs como no Freethought Blogs. O texto original pode ser encontrado aqui e foi adaptado e reproduzido na COMCEPT com a autorização do autor.

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O Elefante Voador Cor-de-rosa. Crédito: Katie Stockton
O Elefante Voador Cor-de-rosa. Crédito: Katie Stockton

Era uma vez quatro homens cegos que, caminhando numa floresta, esbarraram-se contra um elefante.

Hipólito ia na frente e deu por si a segurar a tromba. “Tem um tentáculo”, disse ele. “Creio que encontrámos uma lula gigante!”

Plácido bateu no lado do elefante. “É uma parede” disse, “Uma parede grande e rugosa.”

Gervásio, na parte de trás, tocou na cauda. “Não há problema, é só um pedaço de corda pendurada no caminho.”

Aquilino aproveitou a interrupção para se sentar à sombra de uma árvore e relaxar. “Na minha ponderada opinião” disse ele, “o que quer que isso seja, tem penas. Lindas penas iridescentes de muitas cores.”

Os primeiros três, sendo de inclinação científica, rapidamente colaboraram e trocaram de lugares, e confirmaram as observações uns dos outros; concordaram que cada um dos outros estava correcto no resultado das suas investigações, excepto que não havia vestígios de penas em lado nenhum, mas era óbvio que as suas interpretações exigiam correcção e mais dados. Por isso eles exploraram mais, relatando uns aos outros as suas descobertas, de modo a estabelecer uma imagem mais completa do obstáculo no seu caminho.

“Seguindo o tentáculo até à base, descobri que está ligado a uma grande cabeça com olhos, orelhas de abano e uma boca com presas. Eu estava enganado, não é uma lula mas sim uma espécie de grande mamífero” disse o Hipólito.

“De facto, Hipólito – eu descobri quatro membros espessos. É definitivamente um grande tetrápode”, disse Plácido.

Gervásio parecia angustiado. “É um pouco complicado e delicado aqui atrás rapazes, mas investiguei um orifício interessante. Uma vez que isto é uma história para crianças, vou-me abster de falar nos pormenores”.

Aquilino boceja e espreguiça-se à sombra da árvore. “Tem asas, grandes asas, para poder ascender aos céus e inspirar a Humanidade. Não poderia haver outro propósito para tal animal a não ser a habilidade de elevar uma metáfora e de nos dar algo a que possamos aspirar.”

Os outros três ignoram o indolente filósofo, porque estavam a acontecer coisas emocionantes com o elefante!

Consigo sentir a tromba agarrar a vegetação, arrancá-la e metê-la na boca! É preênsil! Incrível! ”, disse Hipólito.

Plácido encosta o ouvido ao flanco do animal. “Consigo ouvir ruídos profundos à medida que o sistema digestivo processa a comida! É muito grande e barulhento.”

Sai algo nojento da extremidade traseira. “Oh não,” diz Gervásio, “pelo cheiro acho que devia ir tomar um banho”

Vocês estão todos a perder a beleza das suas asas desfraldadas” zombou Aquilino, “Enquanto vocês brincam com trivialidades pedestres e remexem em humilhação terrena, eu contemplo as qualidades transcendentais desta nobre criatura. É um anjo que se manifesta, um símbolo do significado mais profundo da vida.”

“Não tem asas, grande idiota, nem penas” diz Hipólito.

“Filisteu!”, diz Aquilino. “Talvez sejam invisíveis ou guardadas em bolsos habilmente escondidos no flanco do elefante ou, melhor ainda, eu suspeito que são quânticas. Não podes provar que não são quânticas pois não?”

O Elefante Alado. Crédito: Łukasz Strachanowski
O Elefante Alado. Crédito: Łukasz Strachanowski

As investigações continuam com meticulosos detalhes por parte dos três e, ainda mais vagos rasgões de especulação metafórica pelo outro. Muitos anos depois, muito foi alcançado.

Hipólito estudou o elefante e o seu comportamento durante anos, descobrindo como comunicar com ele e com outros membros da manada, compreendendo a sua dieta, as suas doenças e saúde, bem como conseguir que trabalhassem com as pessoas. Ele beneficiou, usando os elefantes em trabalho pesado de construção e, também os usou, infelizmente, na Guerra. Porém, ele nunca percebeu como os usar na força aérea… mas é um mestre da biologia e da indústria dos elefantes.

Plácido estudou o elefante, mas também usou o seu conhecimento sobre o animal para estudar outras criaturas da região: girafas, hipopótamos, leões e até pessoas. É um especialista em anatomia e fisiologia comparadas, e sugeriu uma interessante teoria para explicar as semelhanças e diferenças entre estes animais. É um famoso investigador do mundo vivo.

As experiências de Gervásio levaram-no a explorar o ambiente do elefante, desde os escaravelhos do estrume que se apressam atrás deles até aos ramos folhosos que arrancam das árvores. Ele aprendeu como o elefante depende dos seus arredores, e como as suas acções mudam a floresta e as planícies. Ele tornou-se um ecologista e conservacionista, e trabalha para proteger as manadas e os outros elementos do biótopo.

Aquilino escreve livros. Livros muito influentes. Em breve, muitas das pessoas que nunca tinham visto um elefante estavam convencidas de que todos tinham asas. Aqueles que haviam visto fotos estavam pelo menos convencidos de que os elefantes tinham asas quânticas, que por coincidência estavam a vibrar invisivelmente na altura em que a fotografia fora tirada. Ele convence muitas pessoas de que a verdadeira virtude do elefante está nas suas esplêndidas asas – ao ponto de dizer que qualquer um que discorde e diga que são apenas animais terrestres está a trair a beleza do elefante.

Exasperado, Plácido faz uma pausa para escrever tratados técnicos sobre a anatomia mamífera, e escreve um livro para o público leigo, O Elefante Não Tem Asas. Apesar de relativamente popular, os Aquilinenses sentem-se ultrajados. Como se atreve ele a denegrir o paquiderme voador? Pensará ele que é apenas um mamífero mecânico, preso à lama, sem nunca planar entre as estrelas? Não terá nenhum respeito pela sabedoria dos especialistas em asas de elefantes? Não se aperceberá ele de que não pode provar a inexistência de asas em elefantes, especialmente quando estas estão tão bem arrumadas no universo quântico? (A questão de como os profetas originais da ausência de asas chegaram a essa conclusão nunca parece surgir como tópico de conversa, ou pelo menos nunca é considerada em profundidade). Era ofensivo mutilar os pobres elefantes, restringindo-os à terra.

Quando ao primeiro livro se seguiram O Elefante Caminha de Hipólito e A Terra Do Elefante de Gervásio, os defensores das asas do elefante estavam em pânico – estavam a ser atacados pelos especialistas em elefantes, que pareciam saber mais de elefantes do que eles! Felizmente, os cientistas sabiam pouco sobre as asas dos elefantes – surpreendentemente – o público estava inclinado a favor da certeza de que os elefantes, lá longe, voavam nobremente pelo céu. Eles também tinham o benefício de vastas somas de dinheiro. A riqueza raramente estava associada à competência em matérias elefantinas, e os magnatas despejavam dinheiro em esforços para reconciliar os virtuosos elefantes alados com a desconfortável realidade da sua anatomia. Mesmo uns quantos cientistas, que deveriam saber melhor, eram arrastados para o partido dos alados; em seu favor podia dizer-se que raramente o faziam por causa do lucro, mas mais porque estavam sentimentalmente apegados à ideia das asas. Eles não podiam negar as evidências, porém, eram geralmente apanhados a retorcerem-se quando invocavam o poder místico das asas quânticas, efémeras e invisíveis, que só apareciam quando ninguém estava a olhar.

E assim ficou a batalha, uma discussão contínua entre os cegos que se esforçam por explorar o mundo à sua volta, e os cegos que preferem invocar fantasmas nos espaços dentro dos seus crânios. Tenho que desapontar-vos, porque não tenho final nem resolução, só uma pergunta.

Onde encontra o significado, alegria e riqueza na vida, ó Leitor? Nos elefantes, ou nas asas quânticas dos elefantes?

4 Comments

  1. Sim, infelizmente a cegueira para os pinóquios deste mundo também aumentou, especialmente a incapacidade de reconhecer factos que vão além das respostas da ciência, a solução não é seguramente reduzir os nossos horizontes, ao horizonte da ciência autorizada.

    O cepticismo está a cair num simplismo que o condenará, mas enfim, isso sou eu ignorante da silva que o digo.

    USAF Enviromental Specialist Kristen Meghan Blows Whistle On Air Force Chemtrail Activity

    1. Caro Basilista,

      Os factos que vão para além da ciência têm pouco ou nenhum valor, mesmo que possam ter algum teor de verdade, pois enquanto estiverem nessa posição são indistinguíveis da boa e velha tolice humana. O único motivo pelo qual estou a aprovar este comentário é porque tem realmente a ver com o post em questão, no sentido que é um exemplo perfeito da personagem do Aquilino, acreditar em histórias só porque soam bem.

      Se Kristen Meghan tem provas de algo pode fazer queixa aos seus superiores, às entidades ambientais competentes, aos tribunais e até aos meios de comunicação social, mas estranhamente as queixas dela só surgem replicadas em sites promotores de teorias da conspiração. Aparentemente toda esta gente armou uma trama para a silenciar e, no entanto, deixam que a sua mensagem se espalhe como herpes pela Internet. Uma conspiração muito incompetente, tal como todas as conspirações que exijam tamanha complexidade e número de intervenientes. Pessoas extremamente inteligentes e capazes podem também ser vítimas de pensamentos fantasiosos, veja-se o caso do condecorado piloto John Lear que defende que o mundo é controlado por extraterrestres e que vivem milhões de pessoas na superfície da Lua (pode comprar um telescópio se estiver interessado em verificar se é verdade ou não, mas é possível que eles tenham o manto de invisibilidade ligado).

      Também lhe posso facilmente dizer agora que o principal componente dos rastos dos aviões é o monóxido de dihidrogénio, um químico que pode causar suores e vómitos, queimaduras severas, a inalação acidental pode ser mortal, acelera a corrosão e oxidação de muitos metais, e foi encontrado em tumores de doentes com cancro. Mas apesar de não ter dito absolutamente qualquer mentira na frase anterior, estava na verdade a ser profundamente desonesto como poderá verificar neste link. É claro que se agora me desse na cabeça ir dar umas palestras e escrever uns livros sobre os perigos do monóxido de dihidrogénio, tenho a certeza que até arranjava um bom pé-de-meia e a minha motivação para ser mais honesto diminuía drasticamente.

      Cumprimentos

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