Produtos milagrosos – a legislação até existe mas nem sempre é aplicada

A legislação sobre produtos milagrosos existe mas a aplicação deixa muito a desejar, sobretudo, quando estes adoptam a designação de suplementos alimentares

«Quer perder peso rapidamente e sem se esforçar? Existe um creme ou sumo milagroso que pode comprar. Tem uma maleita que o seu médico não consegue tratar? Tome o nosso comprimido que tudo irá mudar. A celulite não a quer largar? A nossa roupa interior com DNA quântico com certeza vai ajudar. Tudo comprovado cientificamente, clinicamente e por milhares de clientes satisfeitos!»

Vemo-los todos os dias e a toda a hora, na televisão, no rádio ou em anúncios de jornais. Podemos comprá-los facilmente por telefone, na Internet, no supermercado, nas ervanárias e até em algumas farmácias. Os produtos milagrosos prometem aliviar uma série de sintomas e tratar uma infinidade de doenças e condições de saúde. Panaceias que são publicitadas como sendo inspiradas na sabedoria milenar ou, alternativamente, na mais recente das descobertas científicas. As promessas de um «tratamento natural» e «sem efeitos secundários» estão praticamente omnipresentes na publicidade destes produtos, numa clara tentativa de exploração de uma crença que, apesar de profundamente irrealista, é mantida por uma grande parte da população. Os mais cautelosos limitam-se a fazer afirmações de saúde vagas como «reforça o sistema imunitário» ou «remove as toxinas». Já os mais “empreendedores” não se coíbem de afirmar que conseguem tratar todo o tipo de doenças, incluindo até o cancro.

Um anúncio de 1908 oferecendo uma cura milagrosa para o cancro. Via Cancer Treatment Watch.
Um anúncio de 1908 oferecendo uma cura milagrosa para o cancro através de dois livros “gratuitos”, um dos quais composto por 125 páginas de testemunhos pessoais.
Via Cancer Treatment Watch.

A chamada “banha da cobra” está longe de ser uma novidade na nossa sociedade, os truques de marketing mantiveram-se relativamente inalterados ao longo do tempo, precisamente por serem tão eficazes a seduzir o consumidor menos crítico. Entre estes contam-se, por exemplo, a promessa de soluções fáceis para problemas complexos, os testemunhos pessoais de clientes satisfeitos (muitos dos quais fictícios) e a promoção por parte de figuras de autoridade com uma bata branca. A utilização de celebridades, em quem as pessoas confiam ou cujo estilo de vida desejam imitar, está entre as adições mais recentes ao catálogo das técnicas de persuasão. Apresentadores de televisão, artistas e desportistas enaltecem diariamente as maravilhas de produtos milagrosos em vários canais de sinal aberto, sem que muitos dos telespectadores se lembrem do mais óbvio – nenhuma destas celebridades percebe de medicina e todas elas estão a ser pagas para promoverem esses produtos. A maioria dos sinais a que os consumidores devem estar atentos foram expostos anteriormente no artigo Como criar a vossa própria pseudociência, no entanto, uma questão permanece: Estará o consumidor por sua conta e risco ou existem leis para o proteger?

Legislação sobre publicidade enganosa – passado e presente

No Decreto-Lei n.º 330/90 de 23 de Outubro de 1990, onde se procedia à aprovação do Código da Publicidade, havia já a preocupação com a problemática da publicidade testemunhal, nomeadamente no Artigo 15.º:

A publicidade testemunhal deve integrar depoimentos personalizados, genuínos e comprováveis, ligados à experiência do depoente ou de quem ele represente, sendo admitido o depoimento despersonalizado, desde que não seja atribuído a uma testemunha especialmente qualificada, designadamente em razão do uso de uniformes, fardas ou vestimentas características de determinada profissão.

Mas foi com o Decreto-Lei n.º 275/98 de 9 de Setembro de 1998, que se passou a dedicar especial atenção aos  produtos milagrosos:

Com o objectivo de garantir a protecção da saúde e segurança dos consumidores, bem como a defesa dos seus direitos e interesses, a presente iniciativa legislativa introduz a proibição da publicidade aos chamados produtos «milagrosos», que, com acrescida frequência, exploram a credulidade, superstição e medo dos destinatários anunciando os seus alegados efeitos benéficos para a saúde, bem-estar ou felicidade dos consumidores, sem qualquer base de sustentação científica que ateste os resultados prometidos.

Este Decreto-Lei introduzia o Artigo 22.º – B, onde se proibia a publicidade de produtos e serviços milagrosos:

1 — É proibida, sem prejuízo do disposto em legislação especial, a publicidade a bens ou serviços milagrosos.
2 — Considera-se publicidade a bens ou serviços milagrosos, para efeitos do presente diploma, a publicidade que, explorando a ignorância, o medo, a crença ou a superstição dos destinatários, apresente quaisquer bens, produtos, objectos, aparelhos, materiais, substâncias, métodos ou serviços como tendo efeitos específicos automáticos ou garantidos na saúde, bem-estar, sorte ou felicidade dos consumidores ou de terceiros, nomeadamente por permitirem prevenir, diagnosticar, curar ou tratar doenças ou dores, proporcionar vantagens de ordem profissional, económica ou social, bem como alterar as características físicas ou a aparência das pessoas, sem uma objectiva comprovação científica das propriedades, características ou efeitos propagandeados ou sugeridos.
3 — O ónus da comprovação científica a que se refere o número anterior recai sobre o anunciante.
4 — As entidades competentes para a instrução dos processos de contra-ordenação e para a aplicação das medidas cautelares e das coimas previstas no presente diploma podem exigir que o anunciante apresente provas da comprovação científica a que se refere o n.º 2, bem como da exactidão material dos dados de facto e de todos os benefícios propagandeados ou sugeridos na publicidade.
5 — A comprovação científica a que se refere o n.º 2 bem como os dados de facto e os benefícios a que se refere o número anterior presumem-se inexistentes ou inexactos se as provas exigidas não forem imediatamente apresentadas ou forem insuficientes.

O Artigo 22.º – B acabou por ser revogado dez anos depois pelo Decreto-Lei n.º 57/2008 de 26 de Março de 2008 que veio regular o Regime das Práticas Comerciais Desleais. O intuito foi o de criar um regime geral para todas as práticas enganosas, estabelecendo um número limitado de elementos que permitam, para qualquer produto ou serviço, identificá-las como tal. Existem vários elementos do Decreto-Lei n.º 57/2008 que podem ser de importância no que respeita à publicidade de produtos milagrosos, como o Artigo 7.º que define as acções enganosas ou, a alínea i) do Artigo 8.º que proíbe uma técnica de marketing muito frequente nas televendas – a alegação falsa de que o produto está disponível apenas por um período limitado de tempo. Ainda no Artigo 8.º que, estabelece as acções enganosas em qualquer circunstância, é possível encontrar a alínea u) que substitui directamente o antigo Artigo 22.º – B de uma forma mais compacta:

Artigo 7.º – Acções enganosas
1 – É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo:
a) A existência ou a natureza do bem ou serviço;
b) As características principais do bem ou serviço, tais como a sua disponibilidade, as suas vantagens, os riscos que apresenta, a sua execução, a sua composição, os seus acessórios, a prestação de assistência pós-venda e o tratamento das reclamações, o modo e a data de fabrico ou de fornecimento, a entrega, a adequação ao fim a que se destina e as garantias de conformidade, as utilizações, a quantidade, as especificações, a origem geográfica ou comercial ou os resultados que podem ser esperados da sua utilização, ou os resultados e as características substanciais dos testes ou controlos efectuados ao bem ou serviço;
[…]
Artigo 8.º – Acções consideradas enganosas em qualquer circunstância
[…]
i) Declarar falsamente que o bem ou serviço está disponível apenas durante um período muito limitado ou que só está disponível em condições especiais por um período muito limitado a fim de obter uma decisão imediata e privar os consumidores da oportunidade ou do tempo suficientes para tomarem uma decisão esclarecida;
[…]
u) Alegar falsamente que o bem ou serviço é capaz de curar doenças, disfunções e malformações;
[…]

O Artigo 19.º do mesmo Decreto-Lei estabelece ainda quais são as autoridades competentes pela fiscalização da Lei, o que no caso dos produtos milagrosos será a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) e/ou a Direcção Geral do Consumidor (DGC):

Artigo 19.º – Autoridades administrativas competentes
1 — A autoridade administrativa competente para ordenar as medidas previstas no artigo seguinte é a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) ou a entidade reguladora do sector no qual ocorra a prática comercial desleal.
[…]
3 — Tratando-se de uma prática comercial desleal em matéria de publicidade, a autoridade administrativa competente para aplicar as medidas previstas no artigo seguinte é a Direcção Geral do Consumidor (DGC), que pode solicitar a intervenção da ASAE para a efectiva execução da sua acção.
4 — As autoridades e serviços competentes têm o dever de cooperar com as autoridades administrativas referidas nos números anteriores em tudo o que for necessário para o desempenho das funções resultantes da aplicação do presente decreto-lei.
[…]

No que respeita a publicidade enganosa, poderá também ser possível apresentar queixa junto do Instituto Civil da Autodisciplina da Comunicação Comercial (ICAP), uma associação privada sem fins lucrativos criada pela própria indústria, com adesão voluntária de anunciantes e agências de publicidade, e a missão de «assegurar que a publicidade seja conduzida de forma a respeitar os princípios da legalidade, decência, honestidade e veracidade».

Designação “Suplemento alimentar” – O Cavalo de Tróia dos produtos milagrosos

Há muito que os suplementos alimentares deixaram de incluir apenas as vitaminas, sais minerais e outros nutrientes básicos destinados a complementar a dieta quando, por algum motivo, esses mesmos nutrientes não estivessem a ser obtidos em doses adequadas numa alimentação normal. Produtos que todos nós já tomámos em algum momento da nossa vida e que têm uma importância inegável na manutenção do estado de saúde.

Muitos produtos assumem hoje, de forma abusiva, a designação de suplemento alimentar, desdobrando-se nas mais variadas alegações de saúde em que o limite é apenas a imaginação. Desde a perda de peso ao rejuvenescimento, culminando na promessa de evitar ou curar doenças que não têm nada a ver com deficiências nutricionais. Este é hoje um negócio que movimenta milhões e nem a indústria farmacêutica quer perder o comboio das patacas.

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Os medicamentos têm de ser previamente avaliados pelo Infarmed antes de entrarem no mercado (ainda que os homeopáticos não tenham de demonstrar eficácia, mas isso é outra história). Já os suplementos alimentares, apesar de possuírem um enquadramento legal próprio, inclusive sobre a sua publicidade, têm uma regulação mais permissiva e de deficiente aplicação. Os promotores de produtos milagrosos viram assim uma oportunidade para continuarem a fazer negócio como de costume – tudo o que têm de fazer é registar o seu produto sob a designação de suplemento alimentar, mesmo quando este, claramente, não preenche os requisitos para essa designação – isto acontece porque ao contrário dos medicamentos, a avaliação dos suplementos alimentares, se ocorrer, é sempre feita posteriormente à entrada no mercado, altura em que muitos consumidores e os produtores honestos, já terão sido lesados.

Para iniciar a actividade nesta área, o fabricante ou responsável pela colocação de um produto no mercado nacional, apenas tem de notificar a autoridade competente, actualmente o Gabinete de Planeamento e Políticas (GPP), através do envio de uma cópia do rótulo utilizado por esse produto. A isto junta-se o facto de que o GPP:

 […] não valida o rótulo nem procede à avaliação do produto, sendo o operador económico responsável pela garantia da segurança e qualidade alimentar, bem como dos requisitos de rotulagem e outros.

Ou seja, não é feita qualquer avaliação prévia da eficácia, segurança, alegações nutricionais e de saúde dos produtos que se assumem como suplementos alimentares, nem tão pouco se deveriam antes ser classificados como medicamentos.

O Decreto-Lei n.º 136/2003 de 28 de Junho de 2003, que regula este tipo de produtos, define os suplementos alimentares como:

[…] os géneros alimentícios que se destinam a complementar e ou suplementar o regime alimentar normal e que constituem fontes concentradas de determinadas substâncias nutrientes ou outras com efeito nutricional ou fisiológico, estremes ou combinadas, comercializadas em forma doseada, tais como cápsulas, pastilhas, comprimidos, pílulas e outras formas semelhantes, saquetas de pó, ampolas de líquido, frascos com conta-gotas e outras formas similares de líquidos ou pós que se destinam a ser tomados em unidades medidas de quantidade reduzida. […]

Diz ainda que:

[…] Estes suplementos alimentares podem conter um leque bastante variado de substâncias nutrientes e outros ingredientes, designadamente vitaminas, minerais, aminoácidos, ácidos gordos essenciais, fibras e várias plantas e extractos de ervas.[…]

O Artigo 7.º do mesmo Decreto-Lei define o modo de apresentação, rotulagem e publicidade dos suplementos alimentares:

A rotulagem, apresentação e publicidade dos suplementos alimentares não pode incluir menções que:
a) Atribuam aos mesmos propriedades profilácticas, de tratamento ou curativas de doenças humanas, nem fazer referência a essas propriedades;
b) Declarem expressa ou implicitamente que um regime alimentar equilibrado e variado não constitui uma fonte suficiente de nutrimentos em geral.

Para além da legislação nacional existe ainda o Regulamento (CE) n.º 1924/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, já em vigor em Portugal, que foi feito com a preocupação dos direitos do consumidor, mas também, da concorrência leal estre os intervenientes deste sector, que sai obviamente prejudicada sempre que alguém faça alegações de saúde que não deveria fazer:

[…] deverão ser estabelecidos princípios gerais aplicáveis a todas as alegações feitas acerca dos alimentos, por forma a assegurar um elevado nível de protecção dos consumidores, a fornecer-lhes as informações necessárias para efectuarem as suas escolhas com pleno conhecimento de causa e a criar condições de concorrência equitativas no sector da indústria alimentar.

De uma forma geral, o Regulamento (CE) n.º 1924/2006 proíbe todas as informações sobre alimentos, nos quais também se incluem os suplementos alimentares e os chamados alimentos funcionais, sempre que estas:

  • Sejam falsas, ambíguas ou enganosas (por exemplo, que atribuam ao alimento virtudes medicinais indevidamente ou sem fundamento científico);
  • Suscitem dúvidas acerca da segurança ou da adequação nutricional de outros alimentos;
  • Incentivem ou justifiquem o consumo excessivo de um dado alimento;
  • Incitem a consumir um produto, declarando ou sugerindo directa ou indirectamente que um regime alimentar equilibrado não fornece todos os nutrientes necessários;
  • Refiram alterações das funções orgânicas que possam suscitar receios no consumidor.

Estão também proibidas alegações vagas como «o suplemento alimentar X contribui para o bem-estar» ou «fique em forma com o suplemento alimentar Y»; a referência relativamente ao ritmo e quantificação da perda de peso como «perca 3 kg numa semana» e «perca 3 kg»; e ainda, alegações que façam referência a recomendações de médicos, profissionais de saúde e de outras associações que não sejam as associações nacionais de profissionais de saúde, nutrição ou dietética e as associações caritativas da área da saúde.

O mesmo regulamento comunitário deu início à elaboração de uma lista de alegações de saúde permitidas com vista à protecção do consumidor e uniformização do mercado europeu. Desta forma, apesar de serem proibidas quaisquer referências às propriedades de prevenção, de tratamento e de cura de doenças humanas, é ainda assim possível fazer alegações para um determinado nutriente, substância ou alimento relativamente à sua função, redução do risco de doença e até desenvolvimento infantil, mas não para o produto comercial que os contém. Para tal é necessário que as alegações tenham sido previamente aprovadas pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA), que é a responsável por analisar as evidências científicas para todas as alegações de saúde submetidas pelos produtores ou importadores. As alegações rejeitadas ou que ainda não tenham sido avaliadas pela EFSA estão assim proibidas segundo a legislação comunitária. O primeiro esboço da lista foi publicado através do Regulamento (UE) n.º 432/2012, mas esta é uma lista que por natureza estará sempre aberta a revisões, dependendo das evidências científicas, da submissão das alegações e do tempo necessário para as analisar. A versão mais recente poderá ser consultada livremente numa base de dados.

Fiscalização – uma terra de (quase) ninguém

Depois disto torna-se óbvio que a legislação para a protecção do consumidor e da concorrência leal entre todos os intervenientes no mercado até existe, tanto para a publicidade de produtos milagrosos no geral, como para aqueles que se tentam fazer passar por suplementos alimentares ou até alimentos funcionais. O que estará então a falhar?

Desde a entrada em vigor da lista de alegações de saúde da EFSA que a situação melhorou consideravelmente. A título de exemplo, um famoso iogurte probiótico que fazia grandes alegações sobre o reforço do sistema imunitário por parte de uma estirpe de bactérias, restringe-se agora à mera indicação de que essas bactérias fazem parte dos ingredientes. O iogurte afirma actualmente que são as vitaminas D e B6 que ajudam ao normal funcionamento do sistema imunitário, a única afirmação que é permitida pela EFSA. No entanto, é provável que os vários anos de publicidade não-regulada tenham provocado os seus estragos, continuando a ser feita uma referência discreta às bactérias numa tentativa de colher esses últimos frutos (para mais informações sobre este iogurte recomendo a leitura do livro Pipocas com Telemóvel).

Outros produtos, contudo, continuam em clara violação da legislação em vigor – um suplemento alimentar que marca presença regular em todos os talk shows da televisão, continua a fazer alegações de saúde que não são permitidas nem pela legislação base, nem pela lista de alegações da EFSA, é o caso da afirmação de que a cartilagem de tubarão regenera as cartilagens humanas, uma alegação rejeitada pela EFSA por falta de evidências científicas. E basta abrir os jornais ou ver televisão para ver outros casos, estão à vista de todos.

Um anúncio num jornal diário a um suplemento alimentar.
Um anúncio de jornal a um suplemento alimentar que alega prevenir graves problemas de saúde.

Apesar de a legislação existir, continua a ser fácil explorar certos buracos legais de forma a vender produtos milagrosos, o mais óbvio dos quais já foi referido – prende-se com o facto de não ser feita qualquer avaliação prévia dos suplementos alimentares antes da sua entrada no mercado, assumindo-se por defeito que todos os produtores são honestos, um erro que causa invariavelmente prejuízo aos consumidores e aos produtores que respeitem a legislação. Esse buraco legal tem muito provavelmente raiz na ideia ingénua de que como estes produtos são na sua maioria inócuos, então não representam qualquer perigo para o consumidor e dispensam uma fiscalização mais apertada, uma ideia que é também frequentemente aplicada a diversas terapias não-convencionais de eficácia duvidosa. Uma ideia que está errada não só pelos motivos éticos que deviam ser óbvios, mas também, por ser demasiado simplista  – um produto ou serviço que faça alegações de saúde falsas é tão perigoso quanto um detector de bombas falso – é perigoso porque pode afastar o consumidor das melhores decisões para a sua saúde.

A fiscalização posterior à entrada no mercado, por parte das autoridades competentes, é também passiva, deficiente e demorada. Quando somos diariamente bombardeados com a publicidade a produtos milagrosos, torna-se difícil acreditar que exista alguém nestes organismos que não veja televisão ou leia jornais. As queixas dos consumidores mais atentos caem frequentemente em orelhas moucas ou, alternativamente, estes vêem-se envolvidos no clássico “jogo do empurra”. Uma situação que apenas tende a agravar-se na situação económica actual, com os sucessivos cortes de financiamento dos organismos públicos. Mas é precisamente nestas situações difíceis que os vendedores de produtos milagrosos estão mais activos, uma vez que o consumidor está mais vulnerável às promessas sedutoras de soluções fáceis.

Perante isto tudo, ninguém pode ser censurado por, pelo menos, por um momento, considerar a hipótese de que o Estado esteja simplesmente mais preocupado em colectar os impostos resultantes da comercialização destes produtos milagrosos do que em proteger os consumidores e produtores honestos e, sendo esse o caso, não estará isolado no mundo. A regulação destes produtos nos Estados Unidos da América e Canadá é igual ou ainda pior do que a nossa. E, recentemente, um programa de defesa dos direitos do consumidor da televisão australiana ABC1, descreveu que a situação dos medicamentos complementares na Austrália, o equivalente aos nossos suplementos alimentares, não será muito diferente:

São necessárias soluções e maior acção

Para começar as autoridades devem simplesmente colocar em prática, de forma activa e célere, a legislação que já existe, quer ao nível da publicidade enganosa no geral, quer ao nível mais específico dos suplementos alimentares. Não existe qualquer desculpa válida para muitos produtos milagrosos continuarem a ser comercializados quando estão, à vista de todos, em clara violação da legislação em vigor.

Outra solução poderá passar pela avaliação prévia dos suplementos alimentares antes de serem colocados no mercado, separando logo à partida o trigo do joio tal como acontece nos medicamentos. Desta forma, seria possível separar os suplementos alimentares genuínos dos produtos milagrosos que apenas pretendem usar a designação, da forma que está actualmente legislada, como fuga a uma avaliação mais rigorosa. Uma solução que deveria ser até do próprio interesse da Indústria, uma vez que os abusos por parte dos produtos milagrosos podem manchar, por associação, a designação “suplemento alimentar”.

Contudo, mesmo que estes produtos sejam efectivamente proibidos de fazerem certas alegações de saúde, tanto no rótulo como na publicidade, não é de todo realista esperar que tudo se resolva assim tão facilmente. É impossível fiscalizar o que um revendedor diz ao consumidor ao balcão. É impraticável fechar todas as páginas da Internet que promovem curas milagrosas com alguns destes produtos. E algumas campanhas publicitárias foram tão bem sucedidas que passaram a fazer parte do próprio sistema de crenças de uma grande parte dos consumidores.

Existe ainda uma terceira possibilidade, mais radical, que certamente nunca será aceite por entrar em colisão directa com interesses económicos, mas ainda assim deixo a questão: Não serão os médicos, dietistas e nutricionistas os profissionais de saúde que têm realmente competência para decidir quando um suplemento alimentar é ou não necessário para complementar uma dieta? Para pensar…

Adenda: Pode ler sobre os mais recentes desenvolvimentos sobre os suplementos alimentares em Suplementos alimentares – regresso ao País das Maravilhas.

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