Negacionismo

Para o mês de Agosto a nossa sugestão de leitura vai para o livro de Michael Specter, Denialism, publicado em 2009 e sem edição portuguesa.

Uma sugestão céptica é uma nova rubrica da COMCEPT na qual será dado espaço a um livro, filme, podcast, blog ou site que aborde ou trate de cepticismo ou de temas que possam interessar a um céptico.

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Capa da edição norte-americana retirada de http://www.michaelspecter.com/denialism/

Para este mês de Agosto, a minha sugestão vai para o livro de Michael Specter, Denialism, publicado em 2009 e que, infelizmente, parece não ter ainda edição portuguesa.

Michael Specter é jornalista e trabalha para a revista The New Yorker desde 1998. Na sua lista de artigos para a revista podemos encontrar tópicos como ciência, tecnologia e saúde pública. [1]

Negacionismo (na minha tradução do título) é, segundo Specter, uma resposta natural à perda de controlo pelos indivíduos. Não tem cor política, nem afinidade religiosa, é uma luta contra o progresso.

Uma das primeiras coisas que precisamos de esclarecer, é que Cepticismo não é a mesma coisa que Negacionismo. Tanto nos media ou nos contactos que temos tido com algumas pessoas, os dois termos surgem por vezes de forma sinónima e conduz a alguns equívocos. A dúvida metódica é uma posição que faz sentido até determinado ponto. Manter a mesma posição independentemente dos factos é, sim, negacionismo.

O livro de Specter não traz grandes novidades para quem segue e lê alguns dos melhores sites e blogs de ciência ou cepticismo internacional. Os temas que são abordados são bem conhecidos e alguns deles já foram tratados aqui na COMCEPT. De qualquer maneira, é um livro que se lê quase de uma vez só, tal a maneira ligeira como os assuntos são tratados. Diria mesmo que a escrita segue um estilo informal e algo directo que se aproxima da escrita de um blog.

Seis tópicos servem para ilustrar o problema de negar a ciência e a recusa de aceitar a evidência: A indústria Farmacêutica; o mito das vacinas causarem problemas neurológicos; Organismos geneticamente modificados; A ilusão da “medicina” alternativa; O impacto de negar as diferenças genéticas em subgrupos; e a Biotecnologia.

Embora o livro tenha saído em 2009, estranha-se a ausência das alterações climáticas, o tópico quente da actualidade em questões de negacionismo.

O livro de Specter peca por estar a “pregar” aos convertidos. Mesmo levantando o véu ao problema, não é o suficiente, por exemplo, para convencer algumas pessoas em alguns tópicos. Algumas hesitações quanto à genética e à biotecnologica têm raízes em questões éticas e morais e estas precisam de ser discutidas e de ser tomadas em conta. Algumas delas são abordadas no último capítulo a propósito da biotecnologia, mas não de forma profunda.

Existem poucas referências ao longo dos seis capítulos. No final do livro, Michael Specter indica algumas das suas fontes – entrevistas e blogs – e uma pequena listagem de estudos e referências por capítulo. Talvez esta opção esteja directamente relacionada com o formato que o livro apresenta – é mais uma peça jornalistíca do que uma análise científica.

Mais do que descrever algumas das consequências da rejeição da evidência, seria interessante fazer uma tentativa de análise do fenómeno do negacionismo. Tentar ver quais as suas causas e tentar encontrar soluções para diminuir o impacto da negação da ciência. Este não é, no entanto, o livro ideal para encontrar essa análise.

Não deixa de ser um livro interessante, se bem que ligeiro.

Para aguçar um bocadinho o apetite, fica aqui a palestra TED dada por Michael Specter a propósito deste livro, em Fevereiro de 2010:

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[1] Biografia de Michael Specter

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10 Comments

    1. Também reagi assim quando ouvi falar disto pela primeira vez. E para variar, o autor do “documentário” não só é negacionista do HIV, mas também anti-evolução, anti-vacinas, etc, etc. Parece ser um poço sem fundo…

  1. Depois de ler uma notícia hoje no público que referia o COMCEPT, interessei-me e naveguei nas páginas, usufruindo de inegável prazer, pois sou cientista e, como é óbvio, naturalmente céptico. Não posso contudo, depois de tudo o que li, deixar de ficar estupefacto com esta frase escrita por L. Abrantes, quase candidata a um Unicórnio Voador:

    “Embora o livro tenha saído em 2009, estranha-se a ausência das alterações climáticas, o tópico quente da actualidade em questões de negacionismo.”

    O que é que quer dizer exactamente com isto?
    Se a frase estivesse escrita desta forma:

    “Embora o livro tenha saído em 2009, estranha-se a ausência das alterações climáticas, o tópico quente da actualidade em questões de fé/alarmismo/cepticismo/negacionismo.”

    ainda concordava. Estando escrito do modo que está devo concluir que o autor parte da premissa que tudo o que se refere à dúvida quanto ao mainstream mediático das “alterações climáticas” é negacionismo, logo sendo uma afirmação anti-científica? Que o autor, ao referir simplesmente “Alterações climáticas” desconhece que estas são a norma e não a excepção na história da Terra e não têm qualquer motivo de controvérsia, desconhecendo, portanto, qual é exactamente o foco de controvérsia na discussão à volta da dinâmica climática terrestre. Não levanta a hipótese de o autor do livro ter percebido que nem tudo o que é cepticismo à volta das “alterações climáticas (termo errado)” é “negacionismo”, logo o tema não está ao mesmo nível dos restantes temas versados, não fazendo, porventura com lógica, parte do livro? Não querendo tirar juízos precipitados, portanto anti-ciência, gostaria de contar com a opinião de L. Abrantes acerca da frase da sua própria autoria.
    Ab

  2. Tendo sido o meu comentário anterior apagado, fiquei com maior curiosidade de aparecer numa das iniciativas públicas do COMCEPT para confrontar o caro L. Abrantes sobre esta frase:

    “Embora o livro tenha saído em 2009, estranha-se a ausência das alterações climáticas, o tópico quente da actualidade em questões de negacionismo.”

    Obviamente, por uma questão de educação, não vou repetir o comentário. Contudo achei “curioso” o modo como alguém que se propõe a este meritório activismo civil, de desmistificar a anti-ciência e a charlatanice, reage a comentários incómodos colocados nos sites que promove.
    Bem hajam e até um dia destes.

  3. “Mea Culpa”. Peço desculpa pois alvitrei que o comentário que havia colocado às 20:30 tinha sido apagado quando, na realidade, tratou-se de um problema de memória cache do meu próprio browser. O comentário encontra-se publicado. Mantenho-me, no entanto, curioso para perceber se o caro L. Abrantes concorda com a minha sugestão para a mudança da frase que escreveu.
    Bem hajam.

    1. Caro Maximus Quintus,

      A COMCEPT é um projecto voluntário e que consumindo muito tempo da nossa vida, por vezes, existem obrigações profissionais e familiares que não podem ser adiadas. E como tal, existem respostas que têm necessariamente de ser adiadas.

      Em resposta ao seu comentário, passo a explicar:

      Em questões de negacionismo – ou seja a negação de factos com suporte científico, não existe, na actualidade, tema mais central que o movimento que nega as alterações climáticas.

      “Estando escrito do modo que está devo concluir que o autor parte da premissa que tudo o que se refere à dúvida quanto ao mainstream mediático das “alterações climáticas” é negacionismo, logo sendo uma afirmação anti-científica?”

      Não deve concluir nada que não esteja escrito. Não escrevi, mas julguei que estivesse claro que refiro-me não ao “mainstream mediático”, mas sim de investigações científicas, publicadas em revistas da especialidade (entenda-se, em revistas científicas sobre climatologia, não é a revista Caras).

      ““Alterações climáticas” desconhece que estas são a norma e não a excepção na história da Terra e não têm qualquer motivo de controvérsia, desconhecendo, portanto, qual é exactamente o foco de controvérsia na discussão à volta da dinâmica climática terrestre.”

      Estou algo confusa. Se as alterações climáticas não têm qualquer motivo de controvérsia, então qual é o foco de controvérsia na discussão?

      Eu explico, para que não haja mais confusões. As alterações climáticas registadas ao longo de milénios no planeta tiveram causas que são conhecidas pelos cientistas. As alterações a que assistimos neste momento não têm outra causa conhecida que não seja o aumento da emissão de gases de efeito de estufa.
      O foco de controvérsia – só existe nos meios mediático (aquele que mencionou no primeiro comentário), é neles que pode ler a opinião, não sustentada, de pessoas que recusam, por motivos económicos e políticos, a ciência. Para os cientistas, aqueles que estudam o clima e que publicam conforme o processo científico, não existe controvérsia nenhuma. As alterações climáticas são um facto e resultam da actividade humana.

      “Não levanta a hipótese de o autor do livro ter percebido que nem tudo o que é cepticismo à volta das “alterações climáticas (termo errado)” é “negacionismo”, logo o tema não está ao mesmo nível dos restantes temas versados, não fazendo, porventura com lógica, parte do livro?”

      Cepticismo é saudável. Negação dos factos não. E não vejo diferença entre um criacionista que nega a montanha de provas que sustentam a Evolução e alguém que nega a montanha de papers que indicam que as alterações climáticas são uma realidade e que são causadas pela actividade humana através da emissão de gases de efeito de estufa.

      Aconselho a leitura dos argumentos mais utilizados pelos negacionistas e as respectivas respostas.

      1. Agradecido pela resposta. Gostaria que me indicasse um, apenas um (!!) artigo científico, publicado numa revista científica de reconhecido mérito, que conclua inequivocamente que a dinâmica climática a que assistimos hoje tem causa humana e que a levou a essa certeza. Vai-se surpreender pois não encontrará nenhum (eu já fiz esse esforço). Vejo que a L. Abrantes, pelo modo como sanciona inequivocamente esta polémica, não tem um “background” sólido de suporte acerca deste assunto. Não deixo de achar estranho esta percepção que tenho, em especial numa pessoa que integra uma associação como a COMCEPT, que se devia manter crítica e saudavelmente céptica sobre qualquer tema em ciência. Obviamente não a censuro por isso, pois não podemos ser profícuos em todas as áreas de conhecimento. Contudo, como cientista que trabalha em dinâmica climática há mais de 20 anos, com relevante trabalho publicado em revistas de referência (e não na Caras), apelo a que se informe um pouco mais sobre este assunto pois a literatura científica é vasta e, nalguns casos, bastante contraditória. Saliento literatura científica e não “a Caras”. Na realidade, nas reuniões científicas em que tenho participado e colaborado, este assunto das alterações climáticas de origem antropogénica tem sido motivo da maior controvérsia e o tema tem estado em acesa discussão, sem que as conclusões sejam exactamente aquelas que a L. Abrantes com tanta veemência dá como inequívocas. Não me enquadrando no grupo dos negacionistas nesta área (que também os há), mantenho cepticismo sobre muitas das coisas que são ditas em artigos e passadas (com algum exagero e deturpação) para a comunicação social, cuja base científica é frágil ou equívoca. A paixão com que argumentou a sua absoluta confiança nas “alterações climáticas” de origem antropogénica e, em especial, o “pequeno escárnio” de comparação com creacionistas, são perfeitamente dispensáveis e em nada contribuem para a discussão. Têm sido, aliás, alguns argumentos que os alarmistas têm utilizado para retirar credibilidade a quem, legitimamente, levanta questões acerca da falta de suporte que alguns dados do mundo real retiram a “Alterações climáticas” previstas por modelos de computador. Se se informar convenientemente verá que, entre os cépticos, estão algumas das maiores autoridades mundiais nesta área das ciências da dinâmica climática e que vão desde geólogos a físicos, químicos ou biólogos. Ainda bem que não me perguntou se acreditava que a terra era plana pois só faltava essa para completar os argumentos de crítica aos cépticos nesta área, ainda profundamente em evolução e amplamente controversa…

        1. Caro Maximus Quintus

          Antes de mais gostaria de perceber qual a sua posição, porque no seu comentário não é propriamente claro. Existem vários graus de “cepticismo” e assim, para tornar o diálogo mais fácil, o Maximus:

          1 – Aceita que existem alterações climáticas?

          2 – Aceita que existem alterações climáticas e elas são derivadas da variação natural e nada têm a ver com a actividade humana?

          3 – Aceita que existem alterações climáticas e que a sua causa ainda é desconhecida, mas actividade humana poderá ser uma das causas?

          4- Não aceita que existem alterações climáticas. E é tudo alarmismo.

          “Gostaria que me indicasse um, apenas um (!!) artigo científico, publicado numa revista científica de reconhecido mérito, que conclua inequivocamente que a dinâmica climática a que assistimos hoje tem causa humana e que a levou a essa certeza. Vai-se surpreender pois não encontrará nenhum (eu já fiz esse esforço).”

          Se calhar porque está a fazer a pergunta errada. O conhecimento científico não depende de um único artigo, mas sim de um conjunto de estudos, de dados, de observações, etc. E depois a linguagem científica não é própria para declarações de absoluto. Mas até por acaso, numa procura rápida encontrei um artigo onde se diz explicitamente “Earth’s climate is warming as a result of anthropogenic emissions of greenhouse gases, particularly carbon dioxide (CO2) from fossil fuel combustion. Anthropogenic emissions of non-CO2 greenhouse gases, such as methane, nitrous oxide and ozone-depleting substances (largely from sources other than fossil fuels), also contribute significantly to warming.” É suficiente?

          Baseio a minha opinião no consenso científico, no conjunto de estudos feitos e publicados em revistas científicas. E se está familiarizado com o tema, deve conhecer um estudo que analisou a publicação científica sobre as alterações climáticas e passo a citar:

          We analyze the evolution of the scientific consensus on anthropogenic global warming (AGW) in the peer-reviewed scientific literature, examining 11 944 climate abstracts from 1991–2011 matching the topics ‘global climate change’ or ‘global warming’. We find that 66.4% of abstracts expressed no position on AGW, 32.6% endorsed AGW, 0.7% rejected AGW and 0.3% were uncertain about the cause of global warming. Among abstracts expressing a position on AGW, 97.1% endorsed the consensus position that humans are causing global warming. In a second phase of this study, we invited authors to rate their own papers. Compared to abstract ratings, a smaller percentage of self-rated papers expressed no position on AGW (35.5%). Among self-rated papers expressing a position on AGW, 97.2% endorsed the consensus. (…) Our analysis indicates that the number of papers rejecting the consensus on AGW is a vanishingly small proportion of the published research.

          “Se se informar convenientemente verá que, entre os cépticos, estão algumas das maiores autoridades mundiais nesta área das ciências da dinâmica climática e que vão desde geólogos a físicos, químicos ou biólogos.”

          Pois, mas se calhar essa é a diferença entre o seu e o meu cepticismo. A autoridade que uma ou outra pessoa possam ter, é indiferente. Que estudos fizeram? Publicaram nas revistas da especialidade? Foram submetidos à crítica dos pares? Se sim, qual a “força” do estudo perante a restante publicação científica?

          Também gostaria de saber mais sobre as bases onde assenta o seu “cepticismo”, quais são os estudos onde se baseia para falar em controvérsia. Até este momento, não nos reencaminhou para qualquer conjunto de estudos. Também não deixa transparecer que conhece realmente os argumentos dos cientistas que defendem as alterações climáticas com causa humana. Fala apenas de alarmismo e também naquilo que é transposto para a comunicação social.

          Ficou algo ofendido por ter comparado os negacionistas das alterações climáticas aos criacionistas, mas não me deu motivos para achar que uma coisa é diferente da outra.

          Como teve dificuldade em procurar um único artigo deixo-lhe aqui alguns:

          Human contribution to the European heatwave of 2003

          Combinations of Natural and Anthropogenic Forcings in Twentieth-Century Climate

          Quantifying the uncertainty in forecasts of anthropogenic climate change

          Rates of change in natural and anthropogenic radiative forcing over the past 20,000 years

          Time-dependent climate sensitivity and the legacy of anthropogenic greenhouse gas emissions

          Se pretender mais, poderá procurar neste site o ranking das publicações científicas. Depois em cada revista, procure por “anthropogenic climate change”.

          Se está ligado à investigação neste campo, com certeza terá acesso aos estudos completos e avaliar por si se estes estudos estão incorrectos, se têm falhas metodológicas ou se não têm sustentação científica. Se assim for, poderá publicar o número equivalente de estudos que afirmam o contrário e expor todos os cientistas da área como grandes fraudes ou maus cientistas.

          Eu estou disposta a mudar de opinião, consoante o peso das provas. O Maximus também?

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