Enfermagem às cores patrocinada pela Cruz Vermelha

Leitura de auras, acupunctura às cores e cura por cristais (medicina esogética) patrocinada pela Escola Superior de Enfermagem da Cruz Vermelha

A Escola Superior de Enfermagem da Cruz Vermelha Portuguesa de Oliveira de Azeméis (ESEnfCVPOA) em conjunto com a Harmocor organizam a 5 e 6 de Março uma conferência e workshop sobre “medicina esogética”.

Imagem do Evento
Imagem do Evento

A conferência, aberta ao público em geral, tem como convidado Peter Mandel, um naturopata alemão que desde os anos 60 se tem dedicado a um conjunto de terapias holísticas com vista ao tratamento de “condições que têm origem no subconsciente”. O termo esogético reflecte a confluência entre elementos esotéricos e o “conhecimento da medicina chinesa – energética e da Biofísica moderna”[ref]http://www.harmocor.pt /início[/ref]; em suma, esogético significa “esotérico + energético”.

Segundo a informação na página do evento no Facebook, Mandel “desenvolveu um sistema holístico de diagóstico (Análise da Emissão Energética – AEE)”. Este sistema  consiste em aplicar os resultados da “fotografia Kirlian” a possíveis diagnósticos, numa leitura holística do ser humano nas suas vertentes: corpo, mente e espírito. Mas a maior inovação atribuída a Mandel parece ter sido a criação de uma nova forma de acupuntura: cromopuntura (ou em inglês colorpuncture), que em vez de agulhas filiformes, usa focos de luz colorida.

O workshop é especialmente dirigido a profissionais de saúde e foca três terapias utilizadas por esta “medicina”: Cromopuntura, Terapia de Indução e Cristal Terapia [sic].

 

Cromopuntura – Utiliza um aparelho com luz colorida (cores ditas energéticas ou terapêuticas) a qual incide sobre “pontos de acupunctura”. De acordo com o site da Harmocor, “cada cor tem uma freqüência [sic] exacta e é esse comportamento vibratório da cor que determina o conteúdo da informação.” [ref]http://www.harmocor.pt/ terapias/cromopuntura[/ref]

Terapia de indução – Parte do princípio que o nosso cérebro pode oscilar para um “ritmo errado” e que é necessário então conduzir a actividade cerebral ao seu ritmo correcto. “… cuidadosamente o cérebro é guiado no sentido da oscilação, no ritmo natural…” Para conduzir essa oscilação é usado um aparelho de 19 programas ou então pode-se utilizar uma versão caseira,  o “synapsis Home”, com apenas três programas fixos pré-instalados.

De notar, no entanto, que o termo “terapia de indução” existe na medicina. É o primeiro tratamento dado num conjunto de medidas para tratar uma doença, geralmente, doenças do foro oncológico. No entanto, não tem qualquer relação com a versão esogética.

Terapia de cristais – Como o nome indica, esta terapia consiste em usar cristais “em determinadas zonas reflexas do corpo humano e estimular as propriedades de auto-cura” [ref]http://www.harmocor.pt/terapias/terapia c/cristais [/ref]. Segundo o mesmo site, Mandel recorreu à corporação Swarovski para criar cristais “com padrões e cores holográficas”.

 

Em suma, a “medicina esogética” parece ter tido como guia as indicações no nosso “Como criar a vossa própria pseudociência”: faz alusões a terapias ancestrais e orientais, recorre a conceitos transversais a toda a medicina pré-científica, seja ela europeia ou asiática, como equilíbrio, balanço, e a reposição de um estado ideal de saúde; incorpora ainda conceitos filosóficos, como o dualismo entre corpo e mente/alma. Estes elementos místicos e esotéricos são depois descaradamente revestidos com elementos de cientificidade como fotões, frequências e conta ainda com a particularidade de ter à venda algo muito semelhante à bandolete quântica. [ref]http://www.harmocor.pt /produtos[/ref]

Encontre as diferenças:

Bandolete quântica
Bandolete quântica criada pelo Marco Filipe
crystal-headband
Imagem retirada de: https://colorpuncture.org/products

 

Uma característica comum a várias terapias deste género é a crença em panaceias, ou seja, um tratamento ou remédio que serve de cura para todos os males. A “medicina esogética” quer fazer-nos crer que apontar focos de luz colorida sobre pontos imateriais no corpo humano pode ser utilizada em qualquer doença. Já os aparelhos para corrigir a oscilações cerebrais servem desde a mera falta de concentração escolar ou fobias como podem ser usados em “deficiências graves do sistema imunitário, cancro, etc.”.

O método de diagnóstico para identificar a terapia e as cores a usar é feita através de uma variação da Fotografia Kirlian. Importa dizer que esta surgiu por acidente, quando Semyon Kirlian descobriu que um objecto numa placa fotográfica quando submetido a uma alta voltagem, deixa uma “impressão” nessa placa que se assemelha a uma áurea colorida. Estas imagens foram tidas, então, como uma manifestação da áurea espiritual ou a força vital que rodeia os seres vivos. A fotografia Kirlian é ainda hoje objecto de devoção da “investigação paranormal” e, como a própria “medicina esogética” pode provar, tem sido utilizada por um grande número de práticas new age como método de diagnóstico para várias condições. Estes diagnósticos conseguem ser tão díspares quanto as práticas que as reclamam, o que indica que o diagnóstico depende mais da imaginação de quem os faz do que as patologias que efectivamente afectam as pessoas.

Implicita ou explicitamente, o que está em causa na maioria destas terapias holísticas é a recuperação de ideias ou conceitos de períodos históricos nos quais se desconheciam tanto a fisiologia humana como as causas de várias patologias. Abandonámos a milenar teoria humoral, na qual a saúde dependia do perfeito equilíbrio entre os diferentes humores, por termos feito descobertas importantes que eliminaram a necessidade de justificar a doença através de algo vago e imaterial. E embora a noção de equilíbrio não seja totalmente descabida na medicina actual, quando se fala dele é sempre aplicado a substâncias ou agentes com existência concreta e material.

Embora saibamos hoje muito mais sobre causas das doenças do que no passado e que, como consequência, consigamos tratar um maior número de condições, é frequente a afirmação por parte de proponentes de terapias não convencionais de que a medicina não trata das causas, apenas se preocupa com os sintomas. E a ironia é que a maioria das terapias ditas holísticas tende a justificar a doença através de causas invisíveis, não detectadas materialmente, em perfeita contradição com os conhecimentos actuais. Os bloqueios do qi, as subluxões da Quiroprática, os meridianos, as oscilações cerebrais, etc. são todos eles, convenientemente, algo invísivel, não quantificado, imaterial, tal como as fibras usadas para fazer a roupa do conto “O rei vai nu”.

A “medicina esogética” é mais uma a acrescentar à panóplia de terapias holísticas que se encontra pela Internet ou nas feiras místicas. Seria interessante até que o evento tivesse sido organizado de modo a incutir espírito crítico nos alunos, embora para que tal fosse verdadeiramente educativo, fosse necessário um exemplo menos óbvio. Gostaria de acreditar que no ensino superior nas áreas da saúde existisse abertura de espírito para incorporar sentido crítico, lógica e rigor para identificar possíveis contradições entre saberes. Infelizmente, nada indica que tenha sido essa a razão para organizar este evento, já que a  ESEnfCVPOA  oferece como formação contínua, um curso de cromopuntura.

Se leitura de auras, acupunctura às cores e cura por cristais é patrocinada por uma escola superior de Enfermagem, em breve, os nossos profissionais de saúde vão poder estagiar em Vilar de Perdizes.

 

 

Referências:

Your Friday Dose of Woo: Acupuncture colorized

NOTA:

O site da Harmocor não permite fazer link directo para as diferentes páginas.

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