Os valiosos detectores de bombas

Conheça a fraude internacional dos falsos detetores de bombas

Pelo menos até ao ano passado, 2015, as forças de segurança iraquianas e asiáticas estavam a usar detectores de bombas da marca ADE-651 e Alpha 6. Aconteceu que estes instrumentos não funcionavam e, inclusive, os seus criadores e vendedores foram condenados por fraude. Proponho contar-vos a história deste aparelho e de como uma pseudociência pode ter afectado não só a vida de milhares de pessoas, como também a segurança internacional.

Cronologia de uma fraude

A história destes equipamentos é bem contada numa reportagem da BBC: O protótipo destes detectores teve origem no Gopher, um aparelho programado para encontrar bolas de golfe. Se este produto, criado nos Estados Unidos da América e comercializado por $20, não funcionasse como deveria, não viria grande mal ao mundo – apenas para a carteira de quem os adquiriu. O problema surgiu quando foi adaptado e começou a ser vendido para detetar drogas e explosivos, cuja reformulação originou o Quadro Tracker. Este novo produto foi logo declarado como fraude pelo FBI, em 1996. Um britânico envolvido na comercialização deste instrumento, regressou ao Reino Unido e fez com que o produto voltasse ao mercado, mas agora conhecido como Mole. Tentaram, inclusive, vender o Mole às agências do Governo Britânico, mas, Tim Sheldon, cientista do Home Office, rapidamente alertou as autoridades denunciando o produto e informando que as alegações eram enganadoras. Isto não foi um problema para os seus promotores, apenas um contratempo. Longe de ser o fim, a história estaria ainda no seu início. A solução passou por mudar novamente o nome e comercializar o produto no estrangeiro, em locais onde as autoridades não fossem tão exigentes com evidências e em que os subornos facilitassem as negociações. Deste rebranding viriam a surgir três marcas diferentes: o ADE-651 (Advanced Detection Equipment), vendido no Médio Oriente por James McCormick; o GT200, comercializado por Gary Bolton no México, Tailândia, Médio-Oriente e África; e por fim o Alpha 6, construído pelo casal Samuel e Joan Tree, vendido ao Egipto, Tailândia e México. Em 2010, o Governo Britânico advertiu as autoridades do Iraque e do Afeganistão de que estes produtos estariam a ser vendidos para esses países. Assim que o caso foi descoberto, os intervenientes foram acusados de fraude, julgados e condenados a penas de prisão em 2012: James McCormick a 10 anos de pena, Gary Bolton a 7 anos, Samuel Tree a 3 anos e meio e a sua mulher viu a sua pena suspensa, ficando apenas obrigada a prestar trabalho comunitário [1]. Apesar do julgamento e das condenações, a história não terminou, uma vez que os aparelhos continuam a ser utilizados nesses países [2].

De que tecnologia tão avançada se está a falar?
Estes aparelhos construídos para detetar bombas teriam, alegadamente, uma tecnologia sensível no seu interior, pelo que os técnicos eram aconselhados a não abrir os instrumentos para não danificarem o mecanismo. Na prática, eram apenas invólucros de plástico, com um interior vazio, do qual emergia somente uma antena. Alguns aparelhos tinham no seu recheio apenas papéis rasgados, mas de electrónica não havia nada! [3] Não havia sequer uma fonte de alimentação.

Kit de Deteção "ADE-651" - Fonte: Brochura do equipamento
Kit de Deteção “ADE-651” – Fonte: Brochura do equipamento

Como “funcionavam” os aparelhos?
Usando o ADE-651 como exemplo, deveria colocar-se uma pequena amostra da substância a detetar num adesivo que iria absorver os “vapores” dessa matéria. O adesivo seria adicionado a um cartão, este seria lido por um leitor de cartões e colocado no aparelho capaz de detetar as “frequências moleculares” [1, 4]. De seguida, bastaria segurar o instrumento e a antena móvel apontaria na direcção da substância a detectar [1]. Estes aparelhos, afirmava-se, poderiam detectar os corpos mais variados: bombas, drogas e até a Madelaine McCann [3]. Aparentemente, a imaginação era o limite. Apesar das explicações técnicas com recurso a jargão científico, na prática não funcionavam.

A explicação
Mas então o que faz a antena mover-se? Ao segurar o instrumento na vertical, a antena move-se devido aos ligeiros movimentos da mão, quase impercetíveis. Se se olhar numa determinada direção, tende-se a observar um movimento inconsciente da mão nessa mesma direção. É o efeito ideomotor que se observa também na prática da radiestesia. Neste caso, a antena funcionava como uma vara de vedor.

Qual a reacção dos utilizadores quando expostos à verdade?
Quando confrontados com a realidade de que os aparelhos não funcionavam, os seus utilizadores reagiram como se estivessem em estado de negação. Já se tinham apercebido que nem sempre as drogas ou as bombas eram detectadas, mas atribuíam isso a erros de utilizador ou às condições atmosféricas [1]. Já depois das condenações, no Quénia, os oficiais mais crédulos juravam que os aparelhos funcionavam e, no Iraque, um General chegou mesmo a dizer que não lhe interessava se era ciência ou magia, o importante era a sua eficácia [4] – este oficial também viria a ser condenado por, entre outras coisas, aceitar subornos de McCormick. 

Qual é o mal de vender estes aparelhos?
A maior parte destes aparelhos, depois de não conseguirem ser vendidos em países europeus, foram exportados para vários países africanos que investiram elevadas quantidades de dinheiro em produtos inoperacionais. Assim, para além das consequências para a economia desses países, também se verificaram inúmeras baixas humanas, uma vez que estes mecanismos falharam em identificar as bombas que prometiam detectar. Aliás, foi noticiado que, só em Julho deste ano,  o Iraque deixara de recorrer a estes instrumentos depois de mais uma bomba rebentar e ter ceifado a vida a mais de centena e meia de pessoas [5]. Num exemplo de como o discurso evolui com o tempo, nos últimos anos, no Egipto, estas máquinas têm sido usadas para detetar vírus como a Hepatite ou o HIV. Leva-nos a pensar quantas pessoas poderão ter sido infetadas devido à incapacidade de deteção de vírus por parte destes aparelhos.

Referências
[1] Caroline Hawley, The story of the fake bomb detectors | BBC News | 3 Outubro 2014

[2] Murtaza Hussain, This fake bomb detector is blamed for hundreds of deaths. It’s still in use. | The intercept | 23 Novembro 2015

[3] Press Association, Man jailed over fake bomb detectors he said could find Madeleine McCann | The Telegraph | 3 Outubro 2014

[4] Leo Benedictus, Why are some countries still using the fake bomb detectors sold by a convicted British Conman? | The Guardian | 9 Junho 2014

[5] David Hambling, The Military Pseudoscience That Just Won’t Die | Popular Mechanics | 6 Julho 2016

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