O chá quente causa cancro! …ou a comunicação do risco

A percepção do risco e o modo como devemos agir em relação a ele, sobretudo se relacionado com a saúde, é um dos desafios da comunicação de ciência e do cepticismo.

Post originalmente escrito para o blog Ciência & Cepticismo

 

As notícias sobre saúde, alimentação e bem-estar, por vezes, parecem estar divididas entre o que causa cancro ou o que previne o cancro – sendo que muitas vezes o mesmo agente/factor surge dos dois lados da barricada (ver imagem abaixo).

Schoenfeld & Joannidis 2013 - cancro
Imagem adaptada da revisão sistemática de Schoenfeld & Joannidis (2013), onde os autores analisaram a associação dos alimentos com o risco de cancro.

O cancro é um “campo de batalha” para a comunicação e jornalismo de ciência. É uma doença – ou melhor, doenças – complexa, com múltiplas causas, múltiplos tratamentos e múltiplos resultados para esses tratamentos. Toda esta complexidade (e o medo associado ao cancro), leva a que este conjunto de doenças seja usado e abusado, quer para anunciar avanços no seu tratamento, quer para a venda de banha-da-cobra, quer para assustar a população em relação aos supostos factores de risco.

Por isso, é importante que se perceba, tanto para o cancro como para qualquer outro problema de saúde, o que é que quer dizer “risco para a saúde”.

Andrew Maynard, do Arizona State University Risk Innovation Lab, define risco como

A probabilidade de ocorrência da perda de valor, uma ameaça ao valor de algo.

Esse “algo” pode ser a nossa saúde e, portanto, o risco para a saúde seria a probabilidade de a nossa saúde piorar após exposição.

Nestes dois vídeos introdutórios da série Risk Bites (toda altamente recomendável!), Maynard introduz o conceito de risco em saúde e de como estimar o risco em relação à saúde:

 

Portanto, para além de conhecermos o perigo de um determinado agente, é necessário saber qual a quantidade de agente necessária para causar uma reacção negativa para a nossa saúde, ou seja, a relação dose-resposta (um conceito chave em toxicologia). Em termos toxicológicos, a dose é a quantidade de agente que entra no corpo e a resposta é a resposta biológica ao agente (alterações na função, doença ou mortalidade). Como explica Jonathan Links, da Johns Hopkins University, diferentes doses causam diferentes efeitos adversos na população exposta ao risco.

Mas, para melhor compreender tudo isto, não há nada como experimentar.

Por isso, sugiro uma visita à nova exposição do Pavilhão do Conhecimento: RISCO – Uma Exposição para Audazes. A exposição estará patente até Setembro, pelo que ainda podem planear uma ou mais visitas. Está dividida em três partes:

  1. O que é o risco?
  2. A audácia individual
  3. Riscos partilhados

Pela forma como está organizada, percebemos que aborda duas questões importantes: como é que encaramos o risco pessoal (somos audaciosos?) e como é que encaramos o risco como um grupo (como é que encaramos o risco quando não somos nós necessariamente os afectados pelo perigo?). E esta última parte é muito importante para o nosso comportamento como cidadãos, para a forma como podemos influenciar políticas públicas, por exemplo, sobre agentes que podem constituir um risco para a saúde.

Como é habitual nas exposições do Pavilhão do Conhecimento, todos os temas são tratados de forma lúdica, através de desafios e com uma perspectiva “mãos-na-massa”. Por exemplo, logo na primeira parte (O que é o risco?), para além de podermos aprender sobre o cálculo de probabilidades, somos convidados a ordenar várias situações e agentes segundo o risco que representam para os humanos: o que será mais arriscado, andar de carro ou de avião? Fumar ou beber álcool? Para saber a resposta, terão que visitar o Pavilhão.

Risco (exposição)
Fotografias da exposição RISCO – Uma Exposição para Audazes, no dia da sua inauguração, a 11 de Outubro de 2016. (Autoria: Diana Barbosa)

Se chegaram até aqui, devem estar a pensar “Porquê a menção ao chá quente no título?!”. Eu respondo. Porque a ingestão de bebidas quentes (incluindo o chá) foi acrescentada em 2016 à lista da IARC de agentes que provavelmente causam cancro em humanos. Mas, curiosamente, ao contrário do que aconteceu (e acontece ainda) com o glifosato ou com a carne, não houve uma enxurrada de artigos alarmistas, nem protestos por parte de grupos ambientalistas ou defensores de alternativas de alimentação. Porque será? Parte da resposta está na percepção que temos do risco de certos agentes (mais “mal vistos”) face a outros.

Imagem de destaque: entrada da exposição RISCO – Uma exposição para Audazes patente no Pavilhão do Conhecimento (Autoria: Diana Barbosa)

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