QED – Questiona, Explora, Descobre

Reportagem sobre o maior evento céptico da Europa: a QED - Question Explore Discover, em Manchester.

Outubro é mês de QED – Question Explore Discover, a conferência que anualmente leva centenas de cépticos até Manchester.

Desde 2013, a COMCEPT também lá tem estado presente e, este ano, lá voltaremos!

Aproveitando a aproximação da QED 2017, publico hoje uma reportagem sobre a edição de 2016. Foi escrita no âmbito da disciplina de Jornalismo de Ciência do Mestrado em Comunicação de Ciência, que me encontro a realizar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa.

Espero que desperte a curiosidade em muitos/as e que, no futuro, mais portugueses rumem até Manchester para este encontro — que altamente recomendo!

 


Tem tudo a ver com a comunidade. Este é o sentimento que transmite Michael Marshall, um dos organizadores da conferência QED – Question Explore Discover (Questiona Explora Descobre), visivelmente cansado mas com um sorriso nos lábios enquanto fala. É o sexto ano que co-organiza aquele que é o maior encontro de cépticos na Europa, onde mais de 650 pessoas — entre participantes, organizadores e oradores — se reúnem durante um fim-de-semana num hotel do centro de Manchester. Esta é a maior e mais participada QED.

Durante o fim-de-semana, o ambiente é marcado por muitas conversas — e muitas cervejas. Tudo começa na sexta-feira à noite, com um animado quiz que reúne os participantes que já chegaram e procuram um primeiro momento de convívio. As perguntas não são fáceis e a competição é renhida, mas amigável. Oferecem-se livros aos melhores e aos piores.

Fotografia do diapositivo que recebeu os participantes na manhã de domingo que diz
Como se pode observar, o ambiente é descontraído. (Fonte: zooterkin – Wikimedia Commons)

Mas o arranque da conferência propriamente dita está agendado para o sábado de manhã, bem cedo, no salão principal do hotel. A luz azul ainda embala alguns participantes mais sonolentos, mas o primeiro orador, Captain Disillusion (ou Alan Melikdjanian), um americano nascido na Letónia, anima rapidamente todos a acordarem. Este “super-herói” do YouTube analisa vídeos virais, mostrando como muitos deles recorrem a efeitos visuais ou especiais para enganar e levar os espectadores a acharem que estão perante fenómenos extraordinários ou paranormais. Faz a sua apresentação como uma performance — não no papel do dito capitão, mas como um estagiário do herói — que inclui muitos vídeos, dicas e até um momento de dança.

Fotografia do Captain Disillusion na QED.
O “estagiário” do Captain Disillusion na QED (Crédito: Diana Barbosa).

Com a audiência já mais desperta após uma plenária fora de vulgar, é tempo de decidir entre cinco propostas diferentes: continuar no salão principal para mais uma conferência ou optar por ir a um painel de debate, assistir à gravação ao vivo de um podcast, participar numa oficina prática, ou ir assistir a um filme. Não admira portanto que, nos curtos intervalos entre intervenções, se vejam dezenas de pessoas a cruzar os corredores de dois pisos do hotel ou indecisas a olhar para o programa. As várias opções são tentadoras.

Na sala de debates, ao longo do fim-de-semana, fala-se de temas como a pseudociência na Medicina Dentária, a comunicação de ciência para crianças, a ética do ilusionismo ou o activismo céptico. As oficinas incluem ilusionismo, jornalismo de investigação e arqueologia. Em permanência, pode ainda visitar-se uma exposição que desafia os sentidos: Quirkology — elaborada por Richard Wiseman, investigador e professor na Universidade de Hertfordshire e ilusionista — sobre ilusões de óptica.

Fotografia de Britt Hermes na QED
Britt Hermes na QED (Crédito: Diana Barbosa).

Uma das conferências mais aguardadas, e que decorre com o salão principal lotado, é a de Britt Hermes, uma ex-naturopata americana que relata o seu percurso pessoal, que a levou de estudante e fervorosa crente nos poderes da naturopatia e, muito particularmente, da homeopatia, até à descoberta de uma fraude na comunidade que lhe despertou dúvidas. Essas dúvidas levaram-na a procurar mais informação (desta feita, na ciência), a uma verdadeira crise existencial e à conclusão de que vivia e promovia um engano. Hoje, ainda com uma pesada dívida da sua formação universitária privada em naturopatia, é estudante de biomedicina e uma dedicada defensora da ciência e denunciadora das práticas habituais de naturopatas e outros terapeutas, que afastam os pacientes de tratamentos médicos eficazes, promovem a anti-vacinação e o negacionismo científico. Fá-lo, entre outros meios, através do blog Naturopathic Diaries.

“As pessoas não seguem os dados, seguem as histórias”, diz Michael Marshall. Por isso, a organização procura ter como oradores convidados pessoas que tenham uma boa história para contar, mesmo que seja a da sua vida. É o caso de Britt, mas foi também o caso, em anos anteriores, de Nathan Phelps (criado no seio de uma comunidade religiosa radical americana) ou de Mark Lynas (ex-activista da Greenpeace), que Michael descreve como “exemplos perfeitos de cepticismo”. Para além de uma boa história, querem oradores que possam estar presentes em toda a conferência e convivam com os participantes porque, acrescenta, a QED “é 100% para as pessoas que compram o bilhete e para promover a sua experiência”. O terceiro aspecto que têm em conta é o efeito surpresa: “queremos rebentar a bolha do cepticismo, que aparenta restringir-se às medicinas alternativas e ao paranormal”.

Fotografia de Susan Blackmore  na QED
Susan Blackmore na QED a tentar induzir uma experiência fora do corpo a dois participantes (Crédito: Diana Barbosa).

Mas o paranormal não esteve ausente desta QED: uma das conferências, a da psicóloga britânica, doutorada em parapsicologia, Susan Blackmore, foi dedicada a esses fenómenos. Com um misto de história pessoal e de dados de investigação, Susan agarra a audiência com o seu relato de uma experiência fora do corpo ocorrida em 1970. Esta experiência pessoal, que hoje explica como tendo sido induzida pelo consumo de drogas, na altura foi muito vívida e marcante, levando-a à investigação de fenómenos que achava serem paranormais, mas acabando por concluir que existem explicações científicas para este tipo de experiências, mostrando à audiência como é que podem até ser induzidas com alguns gestos específicos.

Os participantes da QED são maioritariamente britânicos, mas até Manchester viajam também muitos cépticos vindos de vários países, sobretudo europeus. João Monteiro é um dos três portugueses presentes. Faz parte da Direcção da COMCEPT — Comunidade Céptica Portuguesa e afirma que foi a namorada, também da mesma organização, quem o estimulou a participar pela primeira vez, há três anos. Desde então, não voltou a faltar. Do primeiro dia da QED, João realça a participação na oficina sobre ilusionismo, que diz relacionar-se muito diretamente com o cepticismo porque “o ilusionista tenta enganar, iludir as pessoas, de modo a que no espectáculo surja um efeito de surpresa e de engano, mas as pessoas estão sempre a tentar perceber o que é que está por trás do truque, fazendo o papel de cépticos, mesmo sem saberem”.

Fotografia de um participante da QED a testar o falso detector de bombas.
Um participante da QED testa o falso detector de bombas, observado por Meirion Jones. (Fonte: AlasdhairJohnston – Wikimedia Commons)

Leon Korteweg, activista holandês, também participa pela terceira vez porque o encontro “tem participantes de toda a Europa, é em inglês e é muito bem organizado e acessível”. Considera que a conferência deste ano é a melhor das três, maior, com mais oradores e actividades. Leon destaca a conferência de fecho, no domingo, do jornalista de investigação Meirion Jones. Na sua intervenção, Meirion descreve como é que as equipas de investigação da BBC trabalharam para desmascarar James McCormick, um vigarista inglês que vendou falsos detectores de bombas ao Iraque (e a outros países) acumulando uma fortuna e levando à morte estimada de 2000 pessoas, só em Bagdade.

Também da Holanda vem Catherine de Jong, anestesiologista e membro da Direcção da Sociedade Contra a Charlatanice, a organização céptica mais antiga do mundo (fundada em 1881). Catherine realça a importância do conhecer e conviver com pessoas que actuam na mesma área: “é muito inspirador estar com pessoas que estão a fazer as mesmas coisas no seu país, comparar o nosso trabalho e ver o que é que é diferente e o que é igual, aprender com o que outras pessoas fizeram noutros países; vou para casa com a mala cheia de novas ideias”. Acrescenta ainda que, em três dias, nunca teve um momento aborrecido.

András Pinter vem da Hungria, também ele activista céptico (vice-presidente da Sociedade Céptica Húngara) e um dos apresentadores do European Skeptics Podcast. Reconhece que não participa por causa dos temas tratados “mas por causa da comunidade, das pessoas, do divertimento, da edução e da inspiração, tanto em termos intelectuais como espirituais, ou seja, faz-me sentir bem estar entre centenas de cépticos”.

Participante pela primeira vez, Claire Klingenberg vem da República Checa e é membro do Clube Céptico Checo. Este clube tem em curso um Desafio Paranormal, no qual se propõem “testar pessoas que afirmam ter capacidades paranormais, de forma similar ao desafio de James Randi, oferecendo actualmente 100.000 euros a quem provar ter essas capacidades”. Já testaram, sem êxito, sete pessoas.

Fotografia dos organizadores da QED.
Os organizadores da QED – Michael “Marsh” Marshal está no centro, de camisa branca (Crédito: Diana Barbosa).

Os objectivos de Michael Marshal e dos seus companheiros, que organizam esta conferência em modo de voluntariado, parecem ter sido alcançados. Os participantes estão satisfeitos e mencionam sempre o sentimento de comunidade que experienciam durante estes dias. Curiosamente, e ao contrário do que se poderia prever para uma reunião de defensores da ciência, muitos não são cientistas. O próprio Michael Marshall tem formação superior em língua inglesa e trabalhava na área de marketing, até se transformar num dos poucos “cépticos profissionais” aqui presentes, senão mesmo o único: trabalha a tempo inteiro para a britânica Good Thinking Society, uma organização que tem como objectivo “encorajar a curiosidade e promover o pensamento crítico”, pode ler-se no seu website. Michael diz que o que o atraiu para o cepticismo foi, para além de um interesse pela ciência, um certo sentido de travessura. Em tom de brincadeira explica que o seu “mantra” é: “Vamos fazer travessuras a quem merece travessuras na sua vida”.

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