Medicinas alternativas de excepção

Medicinas alternativas (ou terapias não convencionais) vão a debate esta semana na Assembleia da República.

Esta sexta-feira, vão ser debatidas na Assembleia da República propostas que criem regimes de excepção para a criação de licenciaturas em medicinas alternativas, o que por si só levanta várias questões.

Até este ano, os “cursos” de medicinas alternativas eram leccionados por várias instituições fora do ensino superior: as chamadas escolas de medicinas alternativas. Mas com as alterações legislativas dos últimos anos, o poder político tem tentado aproximar gradualmente estes “cursos” às licenciaturas académicas. As alterações parecem dar legitimidade a estas práticas, mas convém clarificar, e até salientar, que essa legitimidade é apenas política e não é científica. Aliás, com o crescente interesse e curiosidade da população por estas práticas, tem aumentado também a investigação científica sobre o tema, o que tem originado evidências cada vez mais robustas de que a grande maioria das alegações feitas por estas práticas não resiste ao escrutínio científico. Isto é, as terapias alternativas têm sido aprovadas não por haver evidências obtidas em condições controladas de que funcionem, mas apenas e somente por decisão política resultante de pressões dentro dos partidos políticos.

Medicinas alternativas em debate no Parlamento. (Fonte)
Medicinas alternativas em debate no Parlamento. (Fonte)

Das alterações legislativas mencionadas, tem resultado que a Agência de Acreditação e Avaliação do Ensino Superior (A3ES) tem aprovado este ano licenciaturas em algumas das terapias alternativas (p. ex. acupunctura e osteopatia) em universidades privadas e em Institutos Politécnicos. E aqui reside o primeiro problema: a tentativa de equiparar práticas com pouca ou nenhuma evidência de resultados com conhecimento académico. Com estas alterações, as universidades deixarão de ser a “casa do conhecimento”, passando a ser locais em que se ensina qualquer coisa independentemente da sua plausibilidade, acabando por colocar em causa a credibilidade e a confiança da sociedade nestas instituições.

Mas o grande problema com o debate que vai decorrer no parlamento esta semana, ainda é outro: os regimes de excepção que vão ser criados administrativamente. Uma das propostas é a de aprovar uma lei de equivalência, permitindo a quem já tem um curso numa escola de medicinas alternativas que tenha acesso à cédula da ACSS (Administração Central do Sistema de Saúde) para poder exercer a profissão, não necessitando de tirar uma licenciatura. Isto porque a lei dizia que para obter a cédula só seria possível através de uma licenciatura. Ou seja, por via administrativa dar-se-á equivalência, por regime de excepção, a quem irá tirar uma licenciatura e a quem fez uma formação cuja qualidade não está avaliada pelos mesmos padrões.

Outra proposta é que as escolas já existentes se transformem em instituições de ensino superior para que possam conferir as tais licenciaturas desejadas, mesmo que essas escolas não cumpram os requisitos exigidos às instituições universitárias – uma nova excepção. Mas ainda há mais. Para se ser docente no ensino superior é necessário ter doutoramento. Como não há profissionais nas terapias alternativas com a qualificação exigida, abre-se novamente uma excepção, criando-se o conceito de “especialista” nesta área de formação, permitindo assim o ensino facilitado de terapias não convencionais.

Se estas alterações forem aprovadas, vai fomentar-se a ideia de legitimidade destas práticas junto da sociedade, levando a população a crer que estas práticas são equivalentes a tratamentos médicos, o que trará riscos para a saúde das pessoas e inclusive será um risco para a saúde pública, uma vez que algumas das terapias alternativas não só recusam o recurso a vacinas como promovem o movimento anti-vacinação. Numa altura em que os países desenvolvidos recuam na legislação por força das evidências científicas e pelo surgimento de doenças que estavam erradicadas devido aos movimentos anti-vacinação, Portugal continua a ser empurrado para um abismo porque os partidos preferem ceder aos lobbies em vez de ouvir aqueles que possuem formação científica.

Caso os leitores queiram partilhar a sua opinião com os diferentes grupos parlamentares que estarão no debate, aqui ficam os contactos:

Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata: gp_psd@psd.parlamento.pt
Grupo Parlamentar do Partido Socialista: gp_ps@ps.parlamento.pt
Grupo Parlamentar do Partido do Bloco de Esquerda: bloco.esquerda@be.parlamento.pt
Grupo Parlamentar do Partido Popular: gp_pp@cds.parlamento.pt
Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português: gp_pcp@pcp.parlamento.pt
Grupo Parlamentar do Partido Ecologista “Os Verdes”: PEV.correio@pev.parlamento.pt
PAN – Pessoas-Animais-Natureza: pan.correio@pan.parlamento.pt

 

Outras leituras:

Texto publicado pelo SciMed

David Marçal no Público

David Marçal no De Rerum Natura

 

Adenda (26/10):

Carta da COMCEPT

6 Comments

  1. Sugiro que a comunidade científica organize um abaixo-assinado para enviar aos grupos parlamentares. Em vez de enviarmos mails separados poderíamos elaborar um documento conjunto assinado por um conjunto de investigadores. Esse documento poderia ser constituído por o texto desta página que subscrevo integralmente, na qualidade de investigador em psicologia clínica.

  2. Não sei se ria ou se chore …. a acontecer seria a prova cabal e definitiva do GRAVE subdesenvolvimento cultural e mental (assemelhando-se a estupidez, imbecilidade) duma parte significativa do povo português, vertida nos seus representantes, os deputados da nação ….. que nojo , que vergonha , que cambada …. que anedota !!!!!

    E os palermas não percebem que vão pagar isso muito caro !!!

    Que a parte mais sensata do povo seja suficientemente representativa e forte para bloquear esta catástrofe eminente !

    1. Não o é. Essa porção mais sensata do povo não é suficientementeforte,nem representativa, infelizmente.

  3. Caro Dr. João Monteiro,

    Penso que a designação de Medicina Alternativa é errónea só por si, no entanto a designação de Medicina também o é, na medida em que na grande maioria dos casos se tem cingido à prescrição farmacológica ou à intervenção cirúrgica para resolver sintomas do paciente. Curiosa a expressão de quem padece de enfermidade… coitado tem de ser paciente.

    Como acho de deve saber, resolver sintomas não cura… na maioria das vezes adia apenas o surgimento de outros problemas de saúde ainda mais graves. Infelizmente é o que a prática clínica (gosto mais desta expressão para a designação de atos médicos) tem realizado nos últimos tempos. Os médicos de família são tudo menos de família. Enfim a área de saúde está cheia de equívocos grande parte deles fomentada pela Indústria farmacêutica que na expectativa de lucros rápidos e contínuos em muitas circunstâncias tem morto mais do que cura, com todos os efeitos secundários que apresenta e que erradamente lhe chamam efeitos colaterais ou secundários.

    Já agora refiro que tenho uma licenciatura de engenharia electrotécnica do IST, a de 5 anos, e que atualmente trabalho fundamentalmente em Bio ressonância cujo os resultados clínicos começam finalmente a ser revelados e científicamente comprovados ainda que com muita relutância da indústria farmacêutica e classe médica tradicional.

    Tenho muita pena que assim seja ainda em Portugal em que as práticas da dita medicina alternativa, como lhe chamam e é mais conhecida, não seja comparticipada pelo SNS nem tão pouco por muitos seguros de saúde. Mas isto está a mudar e ainda bem… a meu ver.

    A meu ver e não só a nova Medicina tem de ser Integrativa, O que significa que deve abordar o Ser Humano no seu todo e não apenas pelos sintomas que apresenta. Só assim se pode obter a verdadeira cura.

    Nos países mais avançados existem mesmo Institutos de Investigação Científica que não se preocupam apenas com os aspectos biológicos do Ser… isso é muito pouco. Mas são os próprios que aumentam e divulgam práticas Quânticas que promovem a alteração da Energia da Pessoa como forma de iniciar um verdadeiro processo de cura.

    Ou será que apenas acredita no efeito das moléculas químicas sem contar que as mesmas vibram de detêm uma energia intermolecular que não se deve desprezar. Pelo menos aos olhos a física e da mecânica quântica.

    Por tudo isto lamento imenso mas não posso estar de acordo com o que refere no seu texto.

    Acho mesmo que há que legalizar, fiscalizar e aprovar programas de formação, licenciaturas, mestrados e doutoramentos em práticas alternativas e integrativas à actual medicina convencional com base em boa práticas pedagógicas que é coisa que se vê pouco em muitas das ditas universidades clássicas Portuguesas.

    Que as novas licenciaturas e os seus curricula sejam devidamente avaliados e creditados por um conselho científico e pedagógico e que fiquem igualmente sujeitas ao tratado de Bolonha.

    Por isso saúdo a iniciativa parlamentar no sentido de atribuir licenças ACSS mas que as mesmas sejam devidamente focalizadas para todos os profissionais de saúde, classe médica incluída.

    Seja como for, ainda que muitas reservas, obrigada pela informação à cerca desta iniciativa parlamentar.

    1. Grande discurso cheio de termos caros que claramente não sabe o que significam mas impressionam os ignorantes. Junta-se o apontar as falhas da medicina convencional para justificar o injustificável e tem-se o discurso típico das pseudo-medicinas.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Procurar
Outros artigos
Votação para o Prémio Unicórnio Voador 2023
Comcept
Quando o marketing se apropria dos conceitos “Natural” e “Tecnológico”
João L. Monteiro
FORAM EXIBIDOS SERES EXTRATERRESTRES NO MÉXICO?
João L. Monteiro