Carta aberta à Pint of Science Portugal

Carta de resposta à Pint of Science Portugal que, este ano, promove reiki num dos seus eventos.

Há uns dias, começou a ser divulgado o programa deste ano do festival Pint of Science Portugal, que vai ter lugar em cinco cidades do nosso território já esta semana.

Sendo nós próprios comunicadores de ciência e gostando de estar a par dos eventos de promoção científica, sobretudo em Portugal, fomos explorar. Qual não é o nosso espanto quando nos deparamos com uma sessão intitulada “Para lá das metodologias “convencionais”“, no programa do Porto, com o programa que podem ver na imagem:

 

Screenshot da página Pint of Science Portugal obtido a 14 de Maio de 2019
Screenshot da página Pint of Science Portugal obtido a 14 de Maio de 2019. Os títulos e descrições fora, entretanto, modificados. Mas o programa mantém-se inalterado.

 

Alguns dos nossos membros e outros comunicadores de ciência, interpelaram a organização, tanto em fóruns de comunicação de ciência, como no Twitter. Até ao momento, sem uma explicação ou alteração ao programa.

Qual não foi a nossa surpresa quando, no dia seguinte a questionarmos a organização, recebemos um pedido de ajuda na divulgação do festival. Analisando melhor o programa, encontramos outros factores de preocupação.

Publicamos abaixo a nossa resposta a esse pedido, servindo também de denúncia ao mau serviço que este festival está a prestar à comunicação de ciência nacional.

 

 


 

Cara Dora Dias e restantes membros da organização do Pint of Science em Portugal:

Foi com surpresa que recebemos o vosso email com um pedido de apoio para a divulgação do festival. Esta reacção prende-se com o facto de estarem a contactar uma entidade — defensora da ciência, do cepticismo científico e do pensamento crítico — que já teve a oportunidade de apontar sérios problemas, no que diz respeito à credibilidade científica, na organização do vosso evento em fóruns mais ou menos públicos — não tendo obtido, até ao momento, qualquer resposta, justificação e/ou correcção.

Sendo mais específicos, constatámos no programa sessões sobre temas algo dúbios como mindfulness, neuromarketing, mas a mais preocupante — e, diríamos, escandalosa — é mesmo a sessão designada Para lá das metodologias “convencionais”, onde convidaram uma especialista em coaching para falar sobre “recuperar a alma no corpo” e outra pessoa para discorrer sobre os “efeitos benéficos da Terapia de Reiki” em pacientes oncológicos. Sim, modificaram os teasers publicitários entretanto, mas os temas e convidadas mantêm-se.

Entendemos ser inaceitável que uma iniciativa que se auto-intitula (sem dados que o suportem) “o maior festival de comunicação de ciência do mundo”, que tem como objectivo “promover o conhecimento e a discussão das últimas novidades científicas” e se gaba “da presença de investigadores de reconhecido mérito” manche a sua credibilidade com temas e convidados como os acima mencionados. Num momento em que lutamos activamente contra o avanço de práticas pseudocientíficas na saúde nacional, não podemos tolerar que sejam dadas plataformas de credibilidade científica a quem promove o obscurantismo e a ignorância dos factos científicos.

Parece-nos igualmente estranho que escolham/aceitem como principal patrocinador uma empresa tabaqueira, responsável por tanta desinformação prejudicial à saúde de milhões de pessoas em todo o mundo, e inclusivamente convidem um funcionário para promover os seus produtos.

A COMCEPT foi criada precisamente para lutar contra a desinformação e a pseudociência, e não há pseudociência mais perniciosa do que aquela que é promovida em espaços que deveriam ser de grande integridade científica e de confiança para os participantes.

Lamentamos muito que a Pint of Science Portugal não tenha sido criteriosa na sua organização e tenha, deste modo, desrespeitado o público e as comunidades de cientistas e comunicadores de ciência que com ela estão a colaborar.

Pelo acima exposto, não só não daremos qualquer difusão ao festival como publicaremos esta carta/denúncia no nosso website.

Com os melhores cumprimentos,

Diana Barbosa, João Monteiro e Leonor Abrantes
Direcção da COMCEPT — Comunidade Céptica Portuguesa

3 Comments

  1. Caros, estou 100% convosco no “reiki-asparta” mas atenção que o neuromarketing lá por soar mal, não é pseudociência. Está associado à neuroeconomia, que é uma área com investigação séria; o António Damásio inclusive tem publicado nessa área.

    A sessão em causa até pode ser charlatanice, mas o neuromarketing não

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