No passado sábado, dia 21 de Abril, alguns membros da COMCEPT reuniram-se no espaço Vox, na Voz do Operário em Lisboa, para mais uma sessão de  Cépticos com Vox, desta feita em colaboração com a PAMAP.

Este foi um encontro especial porque tínhamos um tema específico a tratar: a acupunctura.

Tivemos o prazer de ter connosco o Nuno Lemos, licenciado em Medicina Tradicional Chinesa  pela Universidade de Medicina Tradicional Chinesa de Nanjing (China), que nos fez uma apresentação sobre os princípios e o uso da acupunctura na prática clínica. Foi também muito paciente com as nossas muitas perguntas.

Aqui ficam algumas fotos e impressões sobre este ameno debate.

O Nuno começou por nos explicar os princípios da medicina chinesa que se encontram por trás da acupunctura. Explicou também o modo como faz um diagnóstico, quais os principais usos que ele faz deste método e como o usa como complemento à fitoterapia (outra das valências da medicina chinesa). Por fim, discutimos muito (no bom sentido da palavra) se havia ou não evidência científica que apoie o uso da acupunctura na prática médica e como é que a medicina chinesa se está a adaptar aos novos métodos de diagnóstico médico.

Estes são alguns pontos chave que gostaríamos de ressaltar, com base na informação obtida neste debate:

  • A acupunctura é uma de várias técnicas usadas nos tratamentos que seguem as práticas da medicina tradicional chinesa (MTC), que inclui também a fitoterapia; quando falam em “acupunctura”, os adeptos deste método estão, na realidade, a misturar duas metodologias bem diferentes: a “acupunctura clássica” e a electroacupunctura. Não tem seguramente o mesmo efeito fisiológico inserir finas agulhas em pontos específicos do corpo (acupunctura clássica) ou aplicar uma corrente eléctrica nesses mesmos pontos. Efectivamente, e segundo a impressão com que ficamos dos relatos que nos foram transmitidos pelo Nuno, a electroacupunctura tem maior taxa de êxito para tratar lesões e outros problemas musculares, por exemplo, o que faz um certo sentido;
  • A MTC em geral, e a acupunctura em particular, estão profundamente imbuídas de aspectos culturais, parecendo inclusivamente que se adaptam a estes mais do que às observações empíricas. Exemplo disso é a existência de 12 “meridianos” que correspondem aos 12 principais rios da China…embora na verdade, depois se considerem mais “meridianos” na prática clínica. O conceito de “meridiano” não ficou claro, nem a sua relação com os conhecimentos da anatomia e fisiologia actuais; alguns poderão coincidir com algumas vias de resposta nervosa;
  • A prática da MTC depende em grande parte da intuição do técnico, mais do que de um conjunto de sinais e sintomas (já que muito raramente recorrem a meios de diagnóstico complementares modernos – análises ao sangue ou urina, raios-X, etc);
  • A acupunctura centra-se no alívio dos sintomas e não na eliminação da sua causa. É usada basicamente para aliviar dores e enjoos, mas também para “potenciar” tratamentos de fitoterapia, não ficando para nós claro como é que se dá esta potenciação. Não é usada para eliminar agentes patogénicos. Aliás, o método é anterior ao conhecimento da existência destes;
  • A acupunctura e outras práticas da MTC estão a ser aproveitadas e deturpadas pelo movimento new age ocidental, nomeadamente com a utilização de termos como “energia vital”, que não fazem parte da semântica da MTC;
  • Com a mistura de técnicas, a qualidade “difusa” da acupunctura (há muitos pontos diferentes no corpo que são usados para tratar o mesmo tipo de sintomas) e o carácter altamente pessoal da mesma, é muito difícil fazerem-se ensaios clínicos rigorosos da sua eficácia. Os acupunctores alegam que os “pontos falsos” usados como controlo nos ensaios não são falsos (têm também efeito) e que as “agulhas falsas” também têm um efeito de estimulação nos pontos em que são aplicadas. Desta forma, descartam os resultados negativos da maioria dos testes clínicos.

Qual foi a impressão geral com que ficamos depois desta conversa?

Na preparação deste encontro, lemos uma revisão sistemática de Edzard Ernst sobre a acupunctura. A conclusão a que Ernst chega é que há, na verdade, a necessidade de que se façam bons ensaios sobre a prática da acupunctura porque a maioria das revisões são deficientes. Das revisões válidas por ele analisadas, a acupunctura parecia ter um efeito positivo apenas nos caso do enjoo e vómitos devidos à quimioterapia, enjoo e vómitos pós-cirurgicos e nas dores de cabeça idiopáticas (repentinas e de causa desconhecida).

O nosso convidado queixava-se do mesmo problema, mas não vê motivo para desconfiar da metodologia, confiando na antiguidade da mesma (embora a electroacupunctura seja bem mais recente, como é óbvio) e nos resultados aparentes da sua prática clínica.

É de ressalvar que o Nuno Lemos não tem um curriculum muito vulgar no meio da MTC, já que para além da licenciatura em Medicina Tradicional Chinesa, é licenciado em Medicina Nuclear e encontra-se a fazer um mestrado em Radiofarmácia. Quiçá devido a esta formação complementar, o Nuno tem uma visão da sua prática bastante diferente da maioria dos praticantes de MTC que podemos ver nos media, por exemplo. Foi ele quem nos chamou à atenção para o facto de as práticas chinesas estarem a ser deturpadas pelos adeptos do new age, com falsas traduções de conceitos e a mistura com esoterismo.

No seu site, o Nuno relatou também este evento e deixou algumas sugestões de leitura extra para quem estiver interessado no tema.

Os autores deste site, como cépticos, vêem um problema no uso de práticas médicas não comprovadas cientificamente (como é o caso da acupunctura na maioria das suas alegações). Embora o efeito placebo possa ser poderoso e, nesse caso, é “apenas” a ética e a carteira do doente que fica em causa, há casos em que este efeito não é suficiente para a cura. Nestes casos, em que o doente não obtém os resultados esperados, a recusa em procurar acompanhamento médico pode inclusivamente resultar na morte do paciente.

7 Comments

  1. Olá.

    Existe uma revisão do Prof. Edzar mais recente que essa que citas:

    http://www.painjournalonline.com/article/S0304-3959(10)00689-5/abstract

    e as conclusões são um bocadinho mais negativas para a acumpuncura.

    De notar que nausea, vómito e dor, são aspectos da doença que são muito ligados á percepção. E a percepção é alterada pela expectativa. São areas onde o efeito placebo reina. Sabendo que efeito placebo não é o mais dificil de conseguir e que na realidade existe em tudo o que depositemos confiança, eu diria que a acupunctura falha em distinguir-se do efeito placebo de modo a que a possamos considerar eficaz.

    O facto de todos os pontos poderem ser considerados verdadeiros, e sabemos isso porque não importa se se especta ou se se espeta de todo, também sugere que a acupunctura é placebo. Parece que importa é a crença no que se pensa que está acontecer. E dá um golpe colossal na teoria dos meridianos como promotores dos sintomas, ja que implicaria que haveria infinitos e isso não é o que está na base da existência de pontos.

    Por occam, os meridianos estão a mais. Neste ponto precisam de evidencias extraordinárias e não parece ser para lá que caminhamos.

    Electroestimulação é o que a electroacupunctura faz. Apenas o faz atraves de agulhas. Mas não é nada do outro mundo.

    1. Obrigada pela referência. Não conhecia esta revisão mais recente.
      O Nuno foi confrontado com todas essas dúvidas que colocas e, nalguns casos, penso que não conseguiu responder às mesmas. Como mencionei, os meridianos continuam a ser um conceito demasiado dúbio e imbuído mais de cultura que de evidência científica.
      No entanto, ele disponibilizou no seu post sobre este encontro informação que ele considera ser de relevância. Teremos que a analisar também 😉

  2. Boa tarde
    Gostaria de chamar a atenção para alguns aspetos mencionados no artigo com os quais não concordo e que podem ter surgido devido ao pouco tempo que tivemos para explorar tantos assuntos diferentes:
    “Exemplo disso é a existência de 12 “meridianos” que correspondem aos 12 principais rios da China…embora na verdade, depois se considerem mais “meridianos” na prática clínica. O conceito de “meridiano” não ficou claro, nem a sua relação com os conhecimentos da anatomia e fisiologia actuais; alguns poderão coincidir com algumas vias de resposta nervosa;”
    existem meridianos regulares (são 12) e existem meridianos extraordinários.
    O conceito de meridiano é um conceito cultural. De acordo com a apresentação que fiz indiquei:
    “O QUE SÃO OS MERIDIANOS
    Teoria básica:
    São canais por onde circula o Qi
    Perspectiva clinica:
    São formas de se classificarem zonas do corpo com indicações clinicas semelhantes: patologia dos meridianos
    Histórica e culturalmente:
    São formas de integrar as observações derivadas das queixas dos pacientes, experiência de palpação da dor e respostas aos tratamentos enquadrados numa cultura bem definida mas sem conhecimento cientifico
    TEORIA BASEADA NA EXPERIMENTAÇÃO CLINICA LIMITADA POR PARÂMETROS CULTURAIS ESPECIFICOS ”
    Sobre os mesmo indico os seguintes links:
    sobre os meridianos aconselho os eguinte artigo:
    http://acupuntura.blogas-pt.com/como-surgiram-os-meridianos/

    “A prática da MTC depende em grande parte da intuição do técnico, mais do que de um conjunto de sinais e sintomas (já que muito raramente recorrem a meios de diagnóstico complementares modernos – análises ao sangue ou urina, raios-X, etc)”
    Em nenhum momento defendi o que escreveram aqui. Uma coisa é usar meios de disagnóstico outra coisa é analisar sintomas e sinais clinicos. Não são precisos exames de diagnóstico para se analisarem sintomas e sinais clinicos.
    A MTC tem regras especificas de diagnóstico e de análise dos sintomas dos pacientes. Existe sempre subjetividade obviamente mas o diagnóstico não depende em grande parte da intuição do técnico (agradecia que não voltassem a usar este termo. lolol). O diagnóstico depende da análise dos sintomas e sinais clinicos do paciente!

    “A acupunctura centra-se no alívio dos sintomas e não na eliminação da sua causa.”
    A MTC definiu no seu modelo de pensamento uma distinção entre causa e efeito. Obviamente que nunca chegaram às causas de doenças como fez a ciência ocidental. Mas todo o seu pensamento está feito de formas a chamar a atenção para fenómenos relacionais e causais entre sintomas e/ou fatores ambientais, por exemplo.

    Relativamente ao último parágrafo não posso obviamente concordar quando afirmam ” em que o doente não obtém os resultados esperados, a recusa em procurar acompanhamento médico pode inclusivamente resultar na morte do paciente.”
    Desde quando um tratamento com acupuntura implica a recusa no tratamento médico? Quase 100% dos doentes que recorrem às consultas de acupuntura já foram e estão a ser acompanhados por médicos.
    Não nego que por vezes existem problemas (principalmente com interacções farmacocinéticas e farmacodinâmicas entre fitoterápicos e medicamentos) mas é errado passar a imagem que quem faz tratamentos de acupuntura recusa procurar acompanhamento médico. Está completamente fora da realidade.

    Acho que mencionei os principais pontos. De qualquer forma nos links que vos aconselhei no artigo do blogue poderão encontrar mais informações.
    abraço

  3. Caro Nuno, obrigada pelo esclarecimento.
    Tal como expressei no texto, estas são as impressões (subjectivas, desde logo) com que ficamos. São opiniões. É normal que não concordes com elas, uma vez que põem em causa aquilo que praticas. Do mesmo modo que eu respeitosamente não concordo com algumas das alegações que nos apresentaste.

    Quanto à recusa do tratamento médico, eu não digo que ela ocorra ou que tu a recomendes! Se calhar não fui explicita e por isso peço desculpa. O que quero dizer é que os doentes que optam por este tipo de terapia por vezes também optam por negar a dita terapia convencional. E isso tem riscos! Tu, e muito bem, não recomendas essa atitude, mas hás-de reconhecer que há colegas de profissão que o fazem. Esse é o alerta que deixo.
    Agradeço-te uma vez mais a paciência e os links que disponibilizas no teu post. Vamos analisá-los e espero que possamos de novo debater o tema 😉

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