Texto do Prof. Edzard Ernst, Professor Emérito da University of Exeter, publicado no seu blog a 8 de Novembro deste ano, a quem agradecemos a autorização para a tradução e publicação na COMCEPT.
A tradução é de minha responsabilidade e do Manel Rosa Martins.
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E que tal se fizermos um pequeno jogo? Feche os olhos, relaxe, pense por um minuto ou dois e imagine nas manchetes dos jornais que novas descobertas médicas poderemos fazer nos próximos 100 anos. Já sei, é um jogo um pouco tonto e está longe de ser sério, mas prometo-lhe que é divertido.
Pessoalmente, eu vejo os seguintes títulos surgirem à frente dos meus olhos:
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RUBÉOLA ERRADICADA
VACINA CONTRA A SIDA PRONTA PARA UTILIZAÇÃO DE ROTINA
IDENTIFICAÇÃO DA CAUSA DA DEMÊNCIA LEVA À PRIMEIRA CURA EFECTIVA
TERAPIA GÉNICA COMEÇA A SALVAR VIDAS NA PRÁTICA MÉDICA QUOTIDIANA
CANCRO, UMA DOENÇA QUE NÃO É MORTAL
ENVELHECIMENTO SAUDÁVEL TORNA-SE REALIDADE
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Sim, eu sei que não passam de conjecturas ingénuas misturadas com desejos, e não há nada de verdadeiramente surpreendente na minha lista.
Mas, espere, não lhe parece extraordinário que eu visualize avanços nos cuidados de saúde convencionais mas não manchetes igualmente espectaculares relacionadas com a medicina alternativa? Afinal de contas, a medicina alternativa é a minha área de especialização. Porque é que eu não prevejo títulos como estes?
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MAIS UM HOMEOPATA GANHA O PRÉMIO NOBEL
SUBLUXAÇÃO QUIROPRÁCTICA CONFIRMADA COMO A ÚNICA CAUSA DE MUITAS DOENÇAS
DOENTES CRÓNICOS PODEM CONFIAR NAS ESSENCIAS FLORAIS DE BACH
ERVAS CHINESAS CURAM O CANCRO DA PRÓSTATA
A ACUPUNCTURA TORNA OBSOLETOS OS ANALGÉSICOS
A TINTURA REAL DE DESINTOXICAÇAO PROLONGA A VIDA
PROVA-SE QUE A TERAPIA CRANIOSSACRAL É EFICAZ PARA A PARALISIA CEREBRAL
IRIDOLOGIA, UM TESTE DE DIAGNÓSTICO VÁLIDO
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Como é que eu posso estar tão confiante que estas manchetes sobre medicina alternativa não hão-de ser, um dia, realidade?
Simples: porque basta-me estudar o passado para perceber quais foram os avanços que se deram nos últimos 100 anos. Os cientistas e os médicos tradicionais descobriram o tratamento com insulina, que fez com que a diabetes passasse de ser uma sentença de morte a ser uma doença crónica; desenvolveram antibióticos que salvaram milhões de vidas; fabricaram vacinas para infecções mortais; inventaram técnicas de diagnóstico que possibilitaram o tratamento precoce de muitas doenças que representavam risco de vida, etc., etc., etc.
Nenhum dos muitos marcos da história da medicina veio do reino da medicina alternativa.
Então e a medicina com base em plantas? Poderão perguntar alguns. A aspirina, a vincristina, o taxol e outros medicamentos têm origem nas plantas e estou seguro de que existirão mais histórias de sucesso como estas no futuro.
Mas estes avanços reais vieram dos ervanários tradicionais? Não! Foram descobertas feitas inteiramente com base na investigação sistemática e ciência rigorosa.
O progresso nos cuidados de saúde não virá ficando agarrado a um dogma, nem aderindo às implausibilidades do passado, nem alegando que a experiência clínica é mais importante do que a investigação científica.
Não estou a dizer, claro, que todas a medicina alternativa é inútil. Estou a dizer, no entanto, que chegou o momento de ser realista sobre o que é que os tratamentos alternativos podem ou não alcançar. Por exemplo, não vão salvar muitas vidas; uma cura alternativa para alguma coisa é uma contradição. A força de algumas terapias alternativas está nos cuidados paliativos e de apoio, e não na alteração da história natural das doenças.
No entanto, os proponentes da medicina alternativa tendem a ignorar este facto por demais óbvio e ultrapassam a linha que separa o comportamento responsável do irresponsável. O resultado é uma infinidade de alegações falsas – e isto é claramente errado. Leva a falsas esperanças que, em poucas palavras, são sempre anti-éticas e muitas vezes cruéis.
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