A Graviola é uma cura milagrosa para o cancro?

Não existe qualquer evidência credível de que consumir Graviola ou suplementos alimentares derivados possa curar qualquer tipo de cancro

A partilha de dados através da Internet veio abrir uma nova era na forma como acedemos ao conhecimento. Mas neste mar de dados virtual, como podemos nós distinguir o que é verdadeiro do que é falso? Infelizmente, os algoritmos de pesquisa do Google ainda não fazem distinção entre a informação e a desinformação, ficando a tarefa de separar o trigo do joio, tal como acontece na vida real, a nosso cargo. Isto representa um problema numa sociedade com baixíssimos níveis de literacia científica, mas também, com uma cultura de pensamento crítico praticamente inexistente, factor que explica o porquê de, até pessoas que deveriam saber melhor, tantas vezes se deixarem levar por sedutoras fantasias apenas porque estas soam intuitivamente bem.

Isto é uma receita para o desastre, especialmente num mundo em que a desinformação está agora à distância de um mero clique e onde as “pesquisas” e as “leituras” são geralmente feitas de forma superficial. Muita desinformação é propagada por pessoas bem-intencionadas que apenas pretendem partilhar algo que pensam ser verdade e de interesse, mas na sua génese estão muitas vezes envolvidas pessoas com objectivos menos puros em mente, nomeadamente, monetários.

Recebi há algum tempo um e-mail que falava sobre uma cura milagrosa para o cancro que tinha por base a Graviola (Annona muricata L.), mas esta é também uma mensagem que anda a circular em publicações do Facebook e em diversos blogs e sites. É uma história que possui diversos elementos que contribuem para a sua popularidade:

  • Uma cura milagrosa para uma doença terrível;
  • A existência de uma conspiração mundial para ocultar a verdade, criada com o intuito de fazer as pessoas sentirem-se especiais por estarem entre as poucas selectas que sabem a VERDADE™;
  • Uma mistura de meias-verdades, atribuindo-se uma aura de credibilidade a mentiras através da sua associação a factos;
  • O recurso a figuras de autoridade e/ou estudos (mas que nem sempre são citados ou bem representados);
  • E sobretudo, uma popular narrativa “quimiofóbica”, em que os produtos “químicos” são vistos como algo inerentemente perigoso e, por contraste, os produtos “naturais” como algo intrinsecamente benigno. Uma ideia extremamente simplista e redutora, para não dizer errada, mas que se tornou parte do próprio senso comum e, como tal, uma verdade inquestionável para muitos.

Mas vamos passar ao e-mail propriamente dito:

CÂNCER TEM CURA – POR FAVOR LEIA E ESPALHE ……. OBRIGADO.
É 10.000 vezes mais forte do que a quimioterapia e não querem que nós saibamos, pois caso contrário, as grandes cadeias iria parar VENDER MEDICAMENTOS !!!
O MAIS PODEROSO ANTI-CÂNCER DO PLANETA COMPARTILHEM…!
A graviola ou graviola árvore é um produto milagroso para matar as células cancerosas. É mais potente do que 10,000 quimioterapias.
Por que não está ciente disso? Porque há organizações interessadas em encontrar uma versão sintética, que lhes permite obter lucros fabulosos. Assim, a partir de agora você pode ajudar um amigo em necessidade, deixando-o saber que beber suco de graviola pode prevenir a doença. O seu sabor é agradável. E, claro, não produz os efeitos terríveis da quimioterapia. E se você tiver a chance de fazer, plantar uma árvore em seu quintal de graviola. Todas as partes são úteis.
A próxima vez que você quiser beber um suco, escolha o de graviola!!!
Quantas pessoas morrem enquanto este tem sido um segredo bem guardado para não por em risco os lucros multimilionários de grandes empresas? Como você bem sabe a gravioleira é baixa. Não ocupa muito espaço, é conhecido pelo nome de Graviola no Brasil, Guanabana em espanhol, e “Graviola” em Inglês.
O fruto é muito grande e sua polpa branca, doce, comida diretamente ou normalmente usado para fazer bebidas, sorvetes, doces etc… O interesse desta planta é devido a seus fortes efeitos anti-câncer.
E embora ele atribuída muito mais propriedades, o mais interessante é o efeito que produz sobre os tumores… Esta planta é um remédio para o câncer de todos os tipos. Alguns dizem que é muito útil em todas as variantes de cancro.
Considera-se também como um espectro de agente anti-microbiano largo contra infecções bacterianas e fúngicas, é eficaz contra parasitas internos e vermes, que regula a pressão sanguínea e combate o stress elevado, a depressão e distúrbios do sistema nervoso.
A fonte desta informação é fascinante: ela vem de um dos maiores fabricantes de medicamentos do mundo, que diz que depois de mais de 20 testes de laboratórios realizados desde 1970 extratos revelaram que: destrói as células malignas em 12 tipos cancros, incluindo o cólon, mama, próstata, pulmão, pâncreas entre outras …
Os compostos desta árvore mostrou 10.000 vezes melhor ato na diminuição de células de cancro que o produto da adriamicina, um fármaco quimioterapêutico, tipicamente usado em todo o mundo.
E o que é ainda mais surpreendente: este tipo de terapia, com o extrato de graviola, só destrói células de câncer maligno e não afeta as células saudáveis.
Instituto de Ciências da Saúde, L.L.C. 819 N. Charles Street Baltimore, MD 1201.

As incongruências

Sumo de graviola. Uma das imagens propagadas com a mensagem em corrente.
Sumo de Graviola. Uma das imagens propagadas com a mensagem em corrente.

A história de que a Graviola possui compostos de interesse terapêutico não é inacreditável por si só, até porque muitos dos medicamentos têm por base compostos químicos que foram isolados primeiramente em plantas, fungos e até animais. Mas as afirmações demasiado extraordinárias e as incongruências da história deveriam deixar de imediato qualquer um em alerta.

É-nos dito que a «planta» da Graviola, para além de ser um «remédio para o câncer de todos os tipos», segundo o que «alguns dizem», é também «10.000 vezes mais forte do que a quimioterapia». Contudo, mais à frente, é-nos dado a entender que devemos antes «beber um suco» do fruto, que afinal tratam-se apenas de «12 tipos» de cancro e que, “a” quimioterapia, é apenas um de vários compostos antineoplásicos actualmente existentes, um antibiótico de acção antineoplásica – a «adriamicina» – nome comercial da doxorrubicina. Não existe qualquer garantia de que os compostos químicos produzidos pela planta sejam idênticos na raiz, casca, folhas e frutos, podendo na realidade variar consideravelmente entre os vários órgãos. A mensagem é confusa porque tanto refere a planta como fala em beber sumos do fruto, não especificando que parte da planta produz os compostos de interesse terapêutico ou até que compostos são esses.

Diz também que «alguns dizem» que cura todos os tipos de cancro, mas não diz quem serão esses «alguns» e qual a sua competência e motivações para afirmar tal coisa. A ideia de um tratamento único, uma panaceia para todos os tipos de cancro, simplesmente não pode corresponder à verdade pela própria natureza desse conjunto de doenças, mas é de resto uma afirmação bastante comum no mundo da banha da cobra. Também não nos é dito como se chegou ao número de «10.000 vezes mais forte do que a quimioterapia», mas que quimioterapia? Existe só uma? Que estudos afirmam tal coisa?

O cancro, a quimioterapia e a falácia do “natural”

Fruto e folhas da Graviola (Annona muricata L.). Crédito: Damien Boilley.
Fruto e folhas da Graviola (Annona muricata L.). Crédito: Damien Boilley.

Não existe “o” cancro nem “a” quimioterapia, existem vários tipos de cancro com origem e características diferentes, e que por isso exigem tratamentos diferentes, que podem envolver por exemplo a cirurgia, radioterapia e a quimioterapia. Existem diversos compostos químicos utilizados na quimioterapia, escolhidos de acordo com a eficiência para cada tipo de cancro e, normalmente, administrados em conjunto para tentar evitar a resistência aos mesmos. Os mecanismos de funcionamento diferem, mas de uma forma geral um grande número destes químicos actuam sobre o processo de replicação do DNA e/ou divisão celular, afectando principalmente as células de divisão rápida, entre as quais se encontram obviamente as células cancerígenas, mas também as células da mucosa do sistema digestivo, pele e medula óssea, o que está na origem de alguns dos efeitos secundários associados à quimioterapia. A promessa de que a Graviola «só destrói células de câncer maligno e não afeta as células saudáveis» e de que «não produz os efeitos terríveis da quimioterapia» é habilmente engendrada para soar credível a todos os que adiram à ideia de que os produtos naturais nunca podem ser perigosos, uma crença profundamente irrealista, uma vez que qualquer composto com uma acção primária terá muito provavelmente também efeitos secundários, seja ele sintético ou de origem natural, já para não falar de diversos venenos de origem natural que existem, alguns dos quais são também utilizados pela medicina. De facto, existem pelo menos dois estudos que associam compostos alcalóides neurotóxicos produzidos pela Graviola a casos atípicos de Parkinson na região das Antilhas, de onde a planta é nativa e utilizada em chás [1] [2].

Na realidade, muitos compostos potencialmente antineoplásicos nunca chegam a sair do laboratório porque são demasiado tóxicos para o organismo e, muitas vezes, resultados promissores em testes in vitro, revelam-se mais tarde numa desilusão por essa mesma razão. Os testes in vitro são ferramentas essenciais para a investigação, mas são apenas uma fase inicial da mesma no que respeita ao desenvolvimento de fármacos. As linhas celulares utilizadas nestes testes podem já nem sequer representar fenotipicamente a doença para a qual servem de modelo, uma vez que já acumularam demasiadas alterações genéticas. E os compostos testados podem mais tarde revelar-se demasiado tóxicos ou ineficientes no contexto do organismo. Não é por isso de estranhar que parte da investigação actual se centre no direccionamento da quimioterapia apenas às células cancerígenas, com recurso, por exemplo, à nanotecnologia.

A teoria da conspiração

De acordo com as teorias da conspiração pró-produtos naturais, apenas as farmacêuticoas possuem motivos financeiros. Crédito: Bryan Chan
De acordo com as teorias da conspiração pró-produtos naturais, apenas as farmacêuticas possuem interesses financeiros ocultos. Crédito: Bryan Chan

A mensagem refere ainda que há organizações que «não querem que nós saibamos» das supostas propriedades terapêuticas da Graviola. Uma teoria da conspiração amplamente disseminada, normalmente também associada a outros produtos naturais milagrosos, mas que tal como a crença de que o homem nunca foi à Lua, teria de envolver uma quantidade inacreditável de intervenientes, desde todos os médicos e cientistas do mundo, até às empresas farmacêuticas concorrentes. Para começar, essas «organizações» estão obviamente a fazer um mau trabalho, pois existem vários estudos disponíveis sobre os compostos químicos da Graviola e o cancro, assim como de outros compostos produzidos pela mesma família de plantas, algo que não é de todo surpreendente pois, mais uma vez, a hipótese de que estas plantas possuam algum efeito terapêutico é perfeitamente credível, sendo por isso normal que existam estudos. A isto junta-se o facto de que nem toda a investigação da área da saúde é produzida pela indústria farmacêutica, parte é também suportada por dinheiro de bolsas concedidas por diversos programas de apoio à ciência em cada país.

Obviamente todas as empresas possuem um interesse monetário, desde as empresas farmacêuticas ao restaurante da esquina e, é precisamente por isso, que esta teoria da conspiração não faz sentido algum. A farmacêutica que descobrir a cura milagrosa para o cancro, irá gerar não só lucros astronómicos imediatos, mas também, arrasar por completo todos os seus competidores e, nada, mas mesmo nada, seria mais lucrativo do que isso. A narrativa de que as farmacêuticas pretendem esconder a cura, tornando o cancro numa doença crónica em que as pessoas ficariam dependentes dos seus fármacos para a vida, encontra-se também geralmente associada à mesma retórica, mas cai por terra, não só pela razão exposta anteriormente, como também, através de um exemplo bastante concreto que foi o desenvolvimento da vacina contra o vírus do papiloma humano (HPV), agente causador do cancro do colo do útero em 99% dos casos.

Da mesma teoria da conspiração faz também parte a ideia de que as farmacêuticas ocultam a verdade porque estão «interessadas em encontrar uma versão sintética, que lhes permite obter lucros fabulosos» ou que, alternativamente, são incapazes de patentear um composto por este ser de origem natural. Existem vários motivos para a criação de versões sintéticas de compostos naturais para além do registo de patentes que, só por curiosidade, podem também ser registadas para o próprio processo de síntese ou produção e não apenas para o composto em si. Para além do interesse financeiro (que existe), as razões para produzir versões sintéticas podem ser:

  • É muito mais seguro e racional usar uma forma purificada e doseada do composto activo, do que uma quantidade desconhecida de uma mistura de vários compostos químicos que se encontram no produto natural e cujos efeitos são muitas vezes difíceis de avaliar, alguns dos quais podendo até ser perigosos;
  • A criação de compostos análogos mais eficazes e/ou menos tóxicos para o organismo;
  • A impossibilidade de obter quantidades suficientes do composto produzido de forma natural, o que aumenta drasticamente o seu preço;
  • O perigo de sobre-exploração de determinadas espécies vegetais, algumas raras e/ou difíceis de cultivar.
Taxus brevifolia. Crédito: Jason Hollinger
É necessário destruir 3000 árvores de Teixo do Pacífico (Taxus brevifolia) para produzir 1 Kg de taxol. Crédito: Jason Hollinger

Temos como exemplo o taxol (ou paclitaxel), um composto antineoplásico inicialmente isolado a partir da casca do Teixo do Pacífico (Taxus brevifolia) e mais tarde também num fungo que cresce na mesma árvore. Desde muito cedo tornou-se claro que a produção com recurso exclusivo à casca da árvore era insustentável, correndo-se o risco de a levar até à extinção na tentativa de satisfazer a enorme procura. Seria necessário destruir 3000 árvores para produzir apenas 1 Kg de Taxol ou, noutra perspectiva, cerca de 8 árvores de 60 anos de idade para o tratamento completo de apenas um paciente [3]. A síntese puramente sintética com recurso a derivados do petróleo revelou-se demasiado cara por ser ineficiente. Foram então desenvolvidos processos de síntese semi-sintética a partir de compostos intermediários produzidos nas folhas de espécies próximas, como o Teixo Europeu (Taxus baccata), uma fonte renovável que não requer a destruição completa da árvore. E, mais recentemente, o taxol é também produzido com recurso à biotecnologia, utilizando-se grandes tanques (biorreactores) onde são cultivadas linhas celulares de Teixo de onde se extrai o fármaco, todos esses processos obviamente patenteados [3]. Não sei, contudo, se o taxol obtido por este último método, apesar de indistinguível do existente na natureza, será considerado “natural” ou “químico” pelos padrões dos quimiofóbicos. Torna-se difícil atribuir uma linha de pensamento coerente a pessoas que desconfiam patologicamente das empresas farmacêuticas, mas ao mesmo tempo acreditam numa história cuja fonte supostamente provém de «um dos maiores fabricantes de medicamentos do mundo», desde que, é claro, aquilo que lhes for dito não contradiga aquilo em que já acreditam – um óbvio processo de dissonância cognitiva – estranhamente, o interesse económico de quem vende estes produtos e receitas milagrosas nunca parece ser questionado, afinal de contas, se falam mal das farmacêuticas então só podem ser boas pessoas, certo? Até oferecem esta informação de graça! É precisamente com este tipo de pensamento que os vendedores da banha de cobra contam, escondendo habilmente as suas próprias incongruências por trás de um espantalho que facilmente inspira a suspeita (e às vezes com razão). Mas a verdade é que não se deve confiar cegamente em ninguém.

A origem da mensagem

Esta mensagem, aparentemente bem-intencionada e desprovida de intenções ocultas, remete no fim para o «Instituto de Ciências da Saúde», que pelo nome deverá ser um instituto onde se pratica a melhor da ciência de ponta e onde se executam exaustivas investigações científicas, certo? Consultando o site da organização constata-se que de ciência terá muito pouco. Para começar, a directora, Jenny Thompson, nem sequer possui qualquer formação científica ou médica, tendo supostamente um diploma em jornalismo. O “Instituto” de Ciências da Saúde é na verdade uma organização que se dedica a promover curas milagrosas para o cancro, diabetes, artrite e outras doenças, através da venda de suplementos alimentares e de livros que defendem a automedicação e terapias alternativas. Um dos modos de actuação é a angariação de clientes com “fantásticos” brindes gratuitos como alertas de e-mail para «curas clandestinas que “eles” não querem que você tenha», onde provavelmente terá tido origem a nossa mensagem. O próprio site denúncia de imediato a sua falta de credibilidade ao apresentar aquilo que é conhecido entre os cépticos como o “aviso Miranda da banha da cobra” (Quack Miranda Warning), um aviso que, para além de contradizer as afirmações feitas pelos próprios, é realizado com o objectivo de isentar tanto os vendedores dos produtos como as autoridades legais de responsabilidades, deixando assim o consumidor por sua conta e risco:

Aviso de Saúde! A informação providenciada neste site não deve ser tomada como uma instrução ou conselho médico pessoal. Nenhuma acção deve ser tomada baseada apenas nos conteúdos deste site. Os leitores devem consultar profissionais de saúde apropriados sobre qualquer assunto relacionado com a sua saúde e bem-estar [eu pensava que não se podia confiar neles?!]. A informação e opiniões aqui providenciadas crêem-se precisas e verídicas, baseado no melhor julgamento disponível aos autores, mas os leitores que falhem em consultar as autoridades de saúde apropriadas assumem o risco de qualquer lesão. O editor não é responsável por erros ou omissões.

Um anúncio de 1908 oferecendo uma cura milagrosa para o cancro. Via Cancer Treatment Watch.
Um anúncio de 1908 oferecendo uma cura milagrosa para o cancro com recurso a um livro “gratuito” de testemunhos pessoais com 125 páginas. Via Cancer Treatment Watch.

Existem algumas versões da mensagem que acrescentam pormenores como testemunhos pessoais e nomes de médicos e cientistas que, praticamente só se encontram em sites que reproduzem a mensagem. Nessas versões recomendam fazer chá a partir das folhas da planta e algumas chegam inclusive a acrescentar links para sites de venda de suplementos alimentares. Outras versões associam a Graviola e a Anona (ou Cherimoia) como se fossem sinónimos, contudo, apesar de pertencerem à mesma família e género são na realidade plantas distintas. A designação “Anona” pode ser utilizada para descrever vários frutos do mesmo género de plantas, mas em Portugal, onde é sobretudo cultivada na ilha da Madeira, essa designação refere-se geralmente à espécie Annona cherimola, que é diferente da Graviola (Annona muricata L.) até no aspecto do fruto. A versão que será mais completa e fiel à corrente iniciada pelo Instituto de Ciências da Saúde deverá ser a inglesa, a partir da qual foram posteriormente adaptadas as versões brasileiras, que chegaram depois a Portugal, bem ao estilo de um gigantesco jogo do telefone. A versão inglesa apresenta praticamente todas as incongruências da versão já analisada, oferecendo apenas uma narrativa mais intrincada da teoria da conspiração e fazendo referência a mais dois estudos.

O primeiro é um estudo supostamente realizado na Universidade Católica da Coreia do Sul, sobre o qual nos é dito que será aí que se encontra a tal informação de que a Graviola é «10.000 vezes mais forte do que a quimioterapia» e que «só destrói células de câncer maligno e não afeta as células saudáveis». Mas procurando pelo estudo original [4] chega-se à conclusão de que afinal foi feito por investigadores da Universidade de Purdue e do Centro de Investigação AgrEvo, ambos localizados nos Estados Unidos, e que os resultados do estudo foram grosseiramente distorcidos! O que os investigadores fizeram foi isolar um dos compostos químicos presentes nas sementes da Graviola, o cis-anonacina, que apresenta uma concentração inibitória 50 (IC50) dez mil vezes superior à concentração IC50 da adriamicina, isto, quando testado in vitro numa linha celular de cancro do cólon (a HT-29). O que é que isto significa exactamente? Que apenas é necessária uma concentração de 0,00000001 µg/mL desse composto para matar 50% das células da linha celular de cancro utilizada, enquanto para obter o mesmo efeito com a adriamicina, é necessário utilizar uma concentração de 0,00051 µg/mL. São resultados interessantes, sem dúvida, mas longe dos milagres prometidos pela mensagem. O composto apenas revelou esse comportamento para a linha celular de cancro do cólon HT-29 e não nas outras, sendo nesse sentido que os investigadores utilizaram a expressão «citotoxicidade selectiva» que é distorcida na nossa história para dar a entender que este composto não afecta as células saudáveis, quando é mentira. Nada disto prova que seja possível obter qualquer efeito terapêutico bebendo sumos de Graviola, ou o chá das suas folhas, já que estes compostos foram isolados a partir das sementes do fruto que, advertem os próprios investigadores «são actualmente descartadas porque […] são tóxicas e impróprias para consumo animal e como fonte de óleo vegetal».

O segundo “estudo”, que na realidade não é um estudo, mas um comunicado de impressa de 1997 em que a Universidade de Purdue dava a conhecer o trabalho dos seus investigadores, fala sobre a pesquisa promissora de compostos de uma outra árvore da mesma família, a Asimina triloba L., na luta contra o cancro multi-resistente. Mas mais uma vez, nada nos garante que os compostos em questão sejam os mesmos que existem na Graviola (Annona muricata L.). É ainda explicado que alguns dos compostos produzidos por esta família de plantas, apresentam a capacidade inibir a produção de ATP, uma molécula utilizada como fonte de energia pelas células. Alguns cancros multi-resistentes utilizam grandes quantidades de ATP para bombear os fármacos antineoplásicos para o exterior das células, escapando assim à morte. Desta forma, estes compostos isolados da planta podem ser potencialmente utilizados para “esfomear” as células cancerígenas que possuam este mecanismo de resistência à quimioterapia, causando a sua morte ou, pelo menos, aumentando a eficácia da quimioterapia convencional. Depois o comunicado dirige-nos para os dois estudos em questão [5] [6], ambos muito interessantes, mas onde apenas foram realizados testes in vitro em linhas celulares de adenocarcinoma mamário que possuem esse mecanismo de resistência. Longe por isso de ser a cura final para “o” cancro.

Coincidências extraordinárias

Existe também uma outra mensagem em corrente que nos informa que uma mistura de sumo de limão com bicarbonato de sódio é a cura definitiva para o cancro, uma mensagem curiosamente semelhante à da Graviola, até mesmo na coincidência extraordinária de que também este remédio “natural” é «10.000 vezes mais forte do que a quimioterapia». Mais uma vez, o crédito da mensagem é atribuído ao Instituto de Ciências da Saúde e são feitas várias afirmações sem pés nem cabeça que vão desde a suposta alteração do pH do organismo até à clássica promessa de uma cura sem efeitos secundários. Trata-se mais uma vez de uma mistura de meias-verdades e de uma clara distorção de literatura científica séria.

Conclusões

  • Existe actualmente investigação que indica o potencial efeito antineoplásico de compostos produzidos pela Graviola e outras plantas da mesma Família para alguns tipos de cancro, contudo, a investigação é apenas preliminar, realizada maioritariamente em linhas celulares de cancro, precisando por isso de ser aprofundada em ensaios com humanos;
  • As afirmações de cura milagrosa e sem efeitos secundários são largamente exageradas e desprovidas de qualquer fundamento, pelo contrário, o consumo de certas partes da planta pode revelar-se bastante perigoso [1] [2] [4]. A existência de uma conspiração para ocultar a verdade é apenas um truque de marketing;
  • Não existe qualquer evidência credível de que beber sumo ou chá de Graviola, ou ainda, consumir suplementos alimentares com Graviola, possa curar qualquer tipo de cancro, sendo a maioria destas afirmações criadas por interesse monetário e espalhadas pela ingenuidade e desespero alheios;
  • O atraso ou a recusa em receber um tratamento médico adequado, substituindo-o por terapias alternativas “sem efeitos secundários”, pode revelar-se fatal como demonstrado por estudos que acompanharam pacientes com cancro da mama [7] [8]. Nunca confiar em alguém que recomende uma terapia alternativa como tratamento primário;
  • Se pretender realmente seguir um tratamento alternativo, mas como complemento ao tratamento convencional, então fale com o seu médico, nunca o tente esconder por vergonha ou receio de que este o proíba. Uma vez que também se tratam de químicos, vários compostos presentes em plantas podem reduzir a eficácia do tratamento ou até aumentar a sua toxicidade;
  • Na dúvida fale sempre com o seu médico de família ou oncologista, ou peça uma segunda opinião (afinal também são apenas humanos). A Internet não é uma fonte segura de informação médica, especialmente quando não se tem uma formação médica ou pelo menos científica;
  • Seja céptico de todas as afirmações extraordinárias, tudo o que parece bom demais para ser verdade normalmente é. Investigue sempre a origem de determinada afirmação e tente cruzar várias fontes. Se o fizer, irá constatar que a maioria das afirmações médicas fantásticas não refere correctamente a sua origem, refere estudos que não existem ou de qualidade questionável, ou ainda, representa de forma errada os resultados de estudos sérios.

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Referências dos artigos científicos consultados

[1] Caparros-Lefebvre D, Elbaz A. Possible relation of atypical parkinsonism in the French West Indies with consumption of tropical plants: a case-control study. Caribbean Parkinsonism Study Group. Lancet. 1999 354(9175): 281-286.

[2] Lannuzel A, Höglinger GU, Champy P, Michel PP, Hirsch EC, Ruberg M. Is atypical parkinsonism in the Caribbean caused by the consumption of Annonacae? J Neural Transm Suppl. 2006 70: 153-157.

[3] Malika S, Cusidób RM, Mirjalilic MH, Moyanod E, Palazónb J, Bonfill M. Production of the anticancer drug taxol in Taxus baccata suspension cultures: A review. Process Biochem 2011 46:23–34

[4] Rieser MJ, Gu ZM, Fang XP, Zeng L, Wood KV, McLaughlin JL. Five novel mono-tetrahydrofuran ring acetogenins from the seeds of Annona muricata. J Nat Prod. 1996 59(2): 100-108.

[5] Oberlies NH, Croy VL, Harrison ML, McLaughlin JL. The Annonaceous acetogenin bullatacin is cytotoxic against multidrug-resistant human mammary adenocarcinoma cells. Cancer Lett. 1997 115(1): 73-9.

[6] Oberlies NH, Chang CJ, McLaughlin JL. Structure-activity relationships of diverse Annonaceous acetogenins against multidrug resistant human mammary adenocarcinoma (MCF-7/Adr) cells. J Med Chem. 1997 40(13): 2102-6.

[7] Chang EY, Glissmeyer M, Tonnes S, Hudson T, Johnson N. Outcomes of breast cancer in patients who use alternative therapies as primary treatment. Am J Surg. 2006 192(4): 471-3.

[8] Han E, Johnson N, DelaMelena T, Glissmeyer M, Steinbock K. Alternative therapy used as primary treatment for breast cancer negatively impacts outcomes. Ann Surg Oncol. 2011 18(4): 912-6.

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27 Comments

  1. Uma das tendências anti-ciência realmente assustadora é esta das pseudo-curas do cancro e a recusa da quimioterapia como algo que “mata mais do que cura”.
    Lembro sempre aos meus amigos – para grande irritação deles – que se Steve Jobs não tivesse embarcado em “mezinhas naturais”, teria muito certamente conseguido sobreviver ao cancro que o matou.
    O exemplo de Steve Jobs é, aliás, excelente (no mau sentido) a dois níveis: prova que as “receitas naturais” podem de facto ser fatais (porque, no caso do cancro, o timing é crucial); e que mesmo pessoas muito inteligentes são capazes de tomar decisões muito irracionais.
    Lembrei-me disto ao ler hoje mais um post de um blog que sigo e que podem também ver aqui:
    http://scienceblogs.com/insolence/2013/10/31/a-tragic-cancer-tale-misused/.
    Saudações cépticas,
    Jorge

    1. É impossível saber ao certo o desfecho mesmo que ele não tivesse negado o tratamento médico convencional até ao limite, afinal, creio que ele tinha um tipo de cancro bastante difícil, mas o seu favoritismo pela pseudomedicina certamente que não ajudou em nada e pode muito bem ter-lhe custado pelo menos mais algum tempo de vida. Ironicamente, os profissionais da desinformação online, como o Mike Adams do NaturalNews, apressaram-se a utilizar o Steve Jobs como exemplo de mais uma vítima da “indústria do cancro”, escrevendo um artigo abominável contra a quimioterapia e radioterapia. Tendo em conta que o público alvo deste tipo de sites raramente se dá ao trabalho de investigar a veracidade daquilo que eles dizem, é bem provável que muita gente esteja convencida de que foi mesmo assim, quando na verdade, se o Jobs foi vítima de algo, foi certamente da “indústria do natural”.

    2. Conheço pessoas que só acreditaram na quimioterapia químioterapia farmaceutica, uns ficaram curados outros morreram, Connheço outros que acrditaram nos produtos naturais, uns ficaram curados outros morreram.Onde está a diferença ?

      1. A diferença não é entre a quimioterapia e produtos naturais, uma vez que a quimioterapia também pode incluir coisas como taxol ou a vimblastina que são extraídas de plantas. A diferença é entre o melhor tratamento disponível e curas milagrosas sem fundamento que são promovidas por mito ou fraude. O melhor tratamento disponível é aquele que oferece as melhores taxas de sobrevivência para o tipo de cancro em causa. E as taxas de sobrevivência para cada tipo de cancro e tratamento sabem-se com recurso a estudos científicos que analisam o historial documentado de vários pacientes e não através de histórias que circulam de boca-em-boca e cuja veracidade é impossível de certificar. Cumprimentos.

    3. Então lhe pergunto, porque não posso utilizar a base cientifica juntamente com a natural, e porque um video da globo a respeito desta matéria graviola exibida em programa normal,ainda continua you tube em evidência, e nenhum órgão da saúde impugnou, nem a reportagem por si só e nem o video???????

  2. BTW (não relacionado com o post anterior), sempre que quero procurar algo dentro deste blog tenho de recorrer ao Google (na forma «”critério” site:comcept.org»). Não há forma de neste template adicionar um motor de busca para os leitores? Ao menos uma “nuvem” de tags, sei lá… Fica a sugestão.

    1. Bem visto, ainda nem sequer tinha reparado nisso pois quem faz o login no sistema tem uma ferramenta de pesquisa disponível. Estamos a pensar colocar o blog num servidor pago, mas até lá estamos limitados nas alterações que podemos fazer ao template…

  3. Achei a defesa contra a Graviola, muito bem embasada “Muito bem embasada demais” e parece-me preparada por quem tem interesse em desestimular seu uso por razões óbvias. Sou adepto ao uso de plantas, sementes e etc. pois tenho experiência própria com a semente ou o pó da Linhaça que baixou meu colesterol de 320 para 92. Eu acredito na cura pelas plantas.

    1. Olá Carlos,
      A única defesa que este artigo promove é a do bom senso e respeito pelas evidências científicas disponíveis. Se o Carlos entendeu que eu defendo não existirem plantas com efeitos terapêuticos, então só posso deduzir, por razões óbvias, que não leu o texto com atenção.

  4. na verdade e que estamos nas maos de Deus e nele podemos confiar.
    quanto a fruta em questao e so usar com moderaçao o sumo da graviola tomar 1 vez ao dia pela manha.
    realmente nao podemos confiar em tudo que lemos existem artigos de pssoas ma intencionadas que fazem de tudo para nos confundir. temos que ficar atentos sempre.

  5. Se na medicina alternativa há problemas de confiabilidade em muitos produtos que são apresentados como milagrosos, muito mais problemas temos na medicina convencional, visto que há conflito de interesses entre a indústria farmacêuticas e as pesquisas apoiadas financeiramente por essa mesma indústria, a exemplo da famigerada história do Viox. Por tudo isso é que devemos desenvolver cada vez mais o nosso senso crítico.

  6. sem abandonar os tratamentos da medicina tradicional, que está muito avançada na cura e tratamento de quase todos o tipos de tumores, não custa dar uma ajudinha ao nosso organismo e beber sumo de graviola. Recomendo também a quem for fazer quimioterapia ajude com pau d’arco que protege o nosso sistema imunitário dos efeitos devastadores da quimioterapia. e quem puder procure a ajude do reiky. Digo isto por experiencial própria. Não recomendo no entanto que não se siga os tratamento da medicina convenciona. Tudo está na nossa mente e ela é uma grande ajuda na cura

  7. Na Radio Foia estão constantemente a passar publicidade deste produto milagroso. Ha testemunhos de pessoas e tudo a falar da cura milagrosa e de como ja não necessitaram de fazer quimioterapia, é um absurdo e alguem devia denunciar quem faz esta publicidade.

  8. O q eu acho é o seguinte. Qm ta com cancer ja ta condenado a morte mesmo então nao custa nd tentar. eu acredito muito em cura por plantas, ou vcs acham q os índios vao ao medico?

  9. Olá, com todo o respeito, acho que até o Sr. Marco Cerruti está em cima do muro, como a maioria. Pra mim uma alternativa para a questão “graviola&farmaco”é analisar sábia mensagem: Não é só o que entra na tua boca que que causa o mal, mas pode ser pior o que sai dela.

  10. hipocrates ja dizia,faz do teu alimento o teu medicamento..com radioterapia e quimioterapia,podemos nao morrer logo de cancro,mas morremos a seguir com a devastaçao causada por ambos,com uma gripe,por exemplo..

  11. Boa tarde como os índios tem as suas curas medicinais tradicionais, porque simplesmente não explorasse-mos mais os seus métodos?
    era uma boa ideia para um programa…
    como os índios fazem? e as tantas ja foi visto.
    um abraço a todos, Boa Tarde
    Luis

  12. Além de que a anona-comum (annona cherimola), a fruta-do-conde (annona squamosa) e a graviola (annona muricata) são três frutas diferentes. Supostamente é a graviola que tem propriedades anti-tumorais, mas é uma árvore que não se adapta a Portugal, ao contrário da anona-comum. Mas muita gente anda a comprar anonas da Madeira como se fosse a tão falada graviola.

  13. estou inclinado a acreditar neste artigo o problema que se põe não é se a Graviola fáz bem ou fáz mal
    não baste dizer que ela não faz nada ao cancro
    O interessante era o autor que parece ser entendido dar umas dicas cientificas o que fazer ?
    dou-lhe um exemplo vamos á consulta e o medico diz …as suas analises estão boas…você nâo tem nada no entanto o doente acaba por ficar pior e morrer.,também só se fáz uma ressonância magnética e outros exames quando já é tarde de mais.

    o autor que ajude a comunidade com a sua sabedoria

  14. a mim faz-me sorrir quando leio” Esta terrível doença que é o cancro” O CANCRO SÃO TODAS AS DOENÇAS quando não tratadas a tempo, tudo pode vir a ser um cancro, porque infelizmente a medicina alopática NÂO sabe curar doenças, mas sim esconder sintomas! lamentável…e penam que são deuses!.

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