Em muitos dos nossos posts referimos que as principais evidências da eficácia de um tratamento médico advêm dos ensaios clínicos.
Mas, o que são os ensaios clínicos?
Fazemos então aqui um resumo desta metodologia.
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O que são os ensaios clínicos?
Para se transpor o resultado da investigação farmacológica para a prática clínica (ou seja, para transformar um potencial medicamento ou tratamento numa prática médica efectiva), os potenciais medicamentos/tratamentos têm que ser testados em seres humanos. Este processo é conhecido como ensaio clínico, tem várias fases e já levou à validação de muitos tratamentos que são fundamentais para a cura ou alívio de muitas doenças.
Embora os ensaios clínicos tenham custos extremamente elevados e consumam muito tempo (o que pode parecer frustrante para quem espera por um novo tratamento), são a única forma dos investigadores saberem, com alguma certeza, que os tratamentos experimentais funcionam em seres humanos e distinguirem verdadeiros efeitos terapêuticos de um efeito placebo.
Tipicamente, são necessários anos de trabalho de investigação básica em laboratório, com recurso a modelos animais e linhas celulares, até ser possível sequer considerar o teste de um tratamento experimental em seres humanos. E é muito importante que aqueles cientistas que desejem testar substâncias em seres humanos sigam regras estritas que foram desenhadas para proteger as pessoas que se voluntariam para participar nos ensaios clínicos.
Nos EUA, existem grupos chamados Painéis de Revisão Institucionais, ou PRI, que avaliam todas as propostas de investigação que envolvam seres humanos e determinam os potenciais riscos e benefícios esperados (noutros países, também existem órgãos equivalentes a este). O objectivo de um PRI é assegurar que os riscos da participação no ensaio clínico são minimizados e que são razoáveis em comparação com o conhecimento que se espera adquirir pela realização do estudo. Os ensaios clínicos não podem avançar sem a aprovação do PRI. Para além disso, as pessoas que participam nos ensaios clínicos têm que concordar com os termos do ensaio, passando pelo processo de consentimento informado e assinando um formulário, exigido por lei, que diz que compreendem os riscos e benefícios envolvidos no estudo. Os participantes devem ser sempre voluntários e nunca pagar pela participação em tratamentos experimentais!
Existe também um guia internacional, o CONSORT, que determina as boas práticas para a planificação e divulgação dos resultados dos ensaios clínicos. O CONSORT 2010 inclui uma checklist com 25 itens a cumprir e um diagrama sobre como reportar os resultados (traduzido em baixo). Neste caso, este diagrama foca-se nos ensaios clínicos aleatórios e com dois grupos paralelos. Também existem guias CONSORT para ensaios com outras características (por exemplo, em que são comparados mais grupos).
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As fases de um ensaio clínico
Os ensaios clínicos são realizados em três fases: I, II e III.
Cada fase dá respostas a diferentes questões fundamentais sobre o novo medicamento: É seguro? Funciona? É melhor que o tratamento padrão existente?
- Os estudos da Fase I testam a segurança da substância ou intervenção. Respondem, portanto, à primeira pergunta. Tipicamente são feitos com até 100 pessoas e são desenhados para perceber o que é que acontece à substância no corpo: como é esta é absorvida, metabolizada e excretada (caso se trate de um medicamento). Normalmente, os estudos da Fase I duram vários meses.
- Os ensaios em Fase II testam se a substância/tratamento produz o efeito desejado, ou seja, se funciona. Estes estudos duram mais tempo (entre vários meses até vários anos) e podem envolver várias centenas de pacientes.
- Um ensaio de Fase III continua a examinar a eficácia da substância/tratamento, mas testa também se esta intervenção é melhor que outros tratamentos já existentes. Os estudos em fase III envolvem centenas a milhares de pacientes e duram vários anos.
Os estudos de Fase II e Fase III devem ser aleatórios, o que significa que há um grupo de pacientes que recebe o medicamento/tratamento experimental e um segundo grupo de pacientes – o grupo controlo – que recebe um tratamento padrão ou um placebo (ou seja, não recebe nenhum tratamento, mas sim um comprimido de açúcar ou uma injecção de solução salina, por exemplo).
Para além disso, os estudos da fase II e da fase III devem ser também “cegos”: nem os pacientes, nem os investigadores, sabem quem é que está a receber o tratamento experimental e quem que está no grupo controlo.
Por fim, quando um novo medicamento completa a Fase III de testes, pode-se então requerer a aprovação da Food and Drug Administration (nos EUA) ou a Agência Europeia do Medicamento (na União Europeia) para poder vender o medicamento ou tratamento. Geralmente, quem faz estes pedidos são companhias farmacêuticas.
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Bibliografia:
A principal fonte de informação utilizada para este texto foi o livro editado pelo National Institute of General Medical Sciences “Design de Medicamentos” (“Medicines by Design”), que pode ser descarregado gratuitamente na página web do projecto Casa das Ciências (em versão HTML ou PDF). Este é um livro que recomendamos a quem quiser saber mais sobre farmacologia e o desenvolvimentos de novos medicamentos. Está escrito numa linguagem simples e acessível a todos.
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