Vacinas homeopáticas são uma prática consciente e responsável?

Homeopata recomenda a homeopatia como alternativa à vacinação no Encontro de Maternidade Natural

Irá decorrer amanhã em Sintra o Encontro de Maternidade Natural que será, segundo os organizadores, baseado numa «filosofia de vida dos pais, conscientes e responsáveis». Esta filosofia inclui princípios como a educação intuitiva, responsabilidade ecológica e pedagogias alternativas, mas também, aquilo que é designado por práticas de saúde holística. Holística, parece-me a mim, na ambição de incluir todas as práticas alternativas ao consenso científico de como funcionam o corpo humano e as leis conhecidas do Universo. Apresento, a título de exemplo, Osíris, o ovo de obsidiana:

Osíris é uma das geometrias de obsidiana do sistema de cura Ana Silvia Serrano*. Talhada em forma de ovo, esta pedra vulcânica, que foi gerada a partir das profundezas da Terra, vibra na 8ª dimensão e proporciona um emergir à Consciência de camadas antes escondidas no Incosciente ou, por outras palavras, torna a sombra visível. […]

A maior sombra visível no programa do Encontro de Maternidade Natural nem sequer é Osíris, o ovo de obsidiana, não obstante de ser um exercício elucidativo comparar a explicação dos seus efeitos e funcionamento com o nosso guia de como criar uma pseudociência. O maior problema é a promoção de vacinas homeopáticas como uma alternativa real e viável à vacinação convencional:

Apresentação do programa infantil de imunização homeopática (homeoprofiláxia para doenças contagiosas na infância). Basea-se em 200 anos de experiência clínica e investigação, incluindo a investigação mais recente da Universidade australiana de Swinburne em Melbourne e em programas que decorreram em países como o Brasil, Argentina e Austrália e Cuba com total sucesso. O programa lançado por Kate Birch autora do livro “Vaccine Free: prevention and treatment of infectious contagious disease with Homeopathy” é o mesmo seguido por Isaac Golden autor de uma tese de doutoramento sobre o tema

Seja aqui ou na 8ª dimensão, não vacinar as crianças por ideologia ou desinformação já é mau o suficiente, coloca em risco não só os próprios filhos como outras crianças que deixam de usufruir do efeito da imunidade de grupo. Alegar que a homeopatia pode prevenir doenças contagiosas é ainda mais grave, pois confere uma falsa sensação de segurança quando não existe nenhuma. É como vender falsos detectores de bombas que apenas promovem o desleixo de quem as devia procurar. E, no entanto, também há gente a acreditar que estes são um «sucesso» baseado na «experiência».

Seja por genuíno sentido de responsabilidade, seja por consciência dos problemas legais que pode vir a ter (devido ao escândalo da imunização homeopática contra a malária e o surto de sarampo no País de Gales), a verdade é que a própria Associação Homeopática Britânica tomou a iniciativa de advertir que «não existem quaisquer provas de que medicamentos homeopáticos possam ser usados em vez da vacinação». Uma boa acção, ainda que, quando ninguém estiver a olhar, a resposta possa ser bastante diferente.

A isto junta-se o facto de alegações semelhantes às apresentadas no programa do Encontro terem sido já alvo da acção da Therapeutic Goods Administration (TGA), o Infarmed australiano, que após uma queixa ordenou a retracção de alegações em dois sites a favor da imunização homeopática contra várias doenças. O painel de avaliação considerou que as alegações eram «enganadoras», «não confirmadas», «abusavam da confiança ou exploravam a falta de conhecimento dos consumidores» e «susceptíveis de criar medo e angústia nos consumidores ao sugerirem que a vacinação é prejudicial» (decisão completa aqui). Nos sites eram feitas as mesmas referências à investigação na Universidade australiana de Swinburne e à tese de doutoramento de Isaac Golden (homeopata), cujos resultados se encontram em contradição directa com as alegações. Infelizmente, e apesar da decisão, a aplicação da lei australiana nestes assuntos parece ser tão ineficiente como em Portugal, como de resto já havíamos referido num artigo anterior sobre a legislação de produtos milagrosos.

O conceito de informação responsável do movimento anti-vacinação. Crédito: illuminating9_11
O conceito de informação do movimento anti-vacinação. Crédito: illuminating9_11

O facto de praticantes de terapias alternativas e complementares terem uma atitude negativa contra a vacinação não é nada de novo ou desconhecido. Este assunto leva-nos a questões levantadas no ano passado aquando da proposta de lei sobre essas terapias. Questões que pareciam escapar ao filósofo Desidério Murcho, na altura mais preocupado com a «liberdade de ser tolo, frívolo, boçal, irreflectido, anticiência, crédulo, ignorante». Volto aqui a deixá-las por considerar que são realmente importantes:

Como pode haver uma decisão livre quando esta é baseada em desinformação?

Como se protege a liberdade das crianças não serem prejudicadas pelas crenças infundadas dos pais?

6 Comments

  1. Mesmo não sendo o mais preocupante no anunciado para este encontro, o ovo de Osiris também me chamou à atenção…
    E, da citação que aqui colocas, entre muitas barbaridades, esta: “esta pedra vulcânica, que foi gerada a partir das profundezas da Terra”.
    Se lesse uma manual básico de Geologia, perceberia que a maioria das rochas têm origem nas profundezas da Terra…e que a obsidiana não é uma desses rochas!

  2. Promover delírios homeopáticos como alternativa à vacinação é mais que irresponsável: põe activamente em perigo a vida das crianças. É, pois, um comportamento criminoso e, como criminoso que é, deve ser denunciado.

    Ao pé desse perigo os calhaus de Osíris e outras tolices que tais são amenidades inconsequentes.

  3. Vi a definição de homeopatia no Dic. Por isso a vacina não deixa de ser aplicação dela. s.m.j.

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