A Quiropráxia*, também designada como quiroprática, é uma das sete terapias não convencionais regulamentadas pela mais recente lei n.o 71/2013
O QUE É A QUIROPRÁXIA?
O termo deriva da combinação de dois termos gregos, cheir e praxis: “feito pela mão”.
Segundo o site Centro Quiropratico de Lisboa
“A Quiroprática basea-se no facto cientifico de que o sistema nervoso afecta e influencia todas as funções do corpo humano, estendo este último intimamente ligado a coluna vertebral.
Traumatismos físicos, más posturas, vida profissional sedentária, alguns desportos, excesso de peso, e obviamente o stress, podem diminuir a mobilidade de uma ou varias vértebras e provocar assim interferências nervosas, tensões musculares e disfunções orgânicas.
O quiroprático corrige estas perturbações, chamadas subluxaçoes. É o especialista do tratamento e da prevenção das patologias musculo-esqueléticas.” [1]
A Associação portuguesa dos Quiropráticos indica:
“A Quiroprática recorre a uma metodologia única, visando a recuperação da actividade e da capacidade de resposta do sistema nervoso, através da restauração do tónus neurológico.
A profissão Quiroprática reconhece a supremacia do sistema nervoso em todos os aspectos da saúde, na nossa actividade e no nosso bem-estar.” [2]
Segundo Edzard Ernst e Simon Singh, a quiropráxia vê a coluna vertebral como uma entidade complexa, em que cada vértebra afecta todas as outras. O tratamento consiste numa série de manipulações com o propósito de re-alinhar a coluna de maneira a restaurar a mobilidade das articulações. [3]
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HISTÓRIA [4]
A Quiropráxia tem origem nos finais do século XIX, nos Estados Unidos pela mão de Daniel David Palmer, um merceeiro e curandeiro, com interesses em magnetismo e frenologia. Segundo a história, a Quiropráxia nasceu quando D. D. Palmer “curou” um homem da sua surdez através da manipulação da espinha dorsal – A partir deste episódio, D. D. Palmer chega à conclusão que a chave para 95% de todas as doenças está na manipulação da espinha dorsal e naquilo que chama subluxações.
Embora a noção vitalista de saúde estivesse já a ser ultrapassada pelos conhecimentos científicos da época, Palmer acreditava que a saúde derivava da fluidez de uma inteligência inata no corpo de todos os seres vivos. Essa inteligência fluía do cérebro para o resto do corpo através da espinal medula. Toda a doença, segundo Palmer, resultava de interrupções ou distúrbios do fluxo dessa inteligência inata. Esses distúrbios seriam causados por subluxações espinais (pequenos desalinhamentos da coluna vertebral que comprimem os nervos).
É o filho, B. J. Palmer, o responsável pela popularidade da prática, através da compra de rádios e canais de televisão com intuito de promover a Quiropraxia.
Durante várias décadas campanhas agressivas procuraram certificar profissional e legalmente os praticantes de Quiropráxia de maneira a protegê-los de uma medicina sustentada cada vez mais em bases científicas. Chegou a existir, em alguns estados norte-americanos, a obrigatoriedade dos quiropráticos passarem um teste de ciência base, submetendo-os ao mesmo tipo de conhecimento científico que os estudantes de medicina e osteopatia. No entanto, a existência de Estados onde esse requerimento não era obrigatório acabou por levar à revogação das leis que obrigavam a esses testes.
Durante os anos seguintes a prática foi incorporada em seguros de saúde e a mesma política agressiva, através de acções judiciais, prosseguiu nas décadas seguintes. Actualmente, a prática é reconhecida legalmente em todos Estados norte-americanos e no Reino Unido está regulamentada pelo Estado.
Subluxações [5]
O termo subluxação existe fora do âmbito quiropráctico. É um termo médico para caracterizar uma “luxação parcial ou incompleta – sendo a luxação “o deslocamento anormal das extremidades articulares de dois ossos contíguos”
Mas na Quiropráxia a definição não é clara. Há quem defina subluxações como “ossos fora do sítio” ou/e nervos comprimidos. Outras definições são mais vagas, indicando apenas os resultados – causam interferência nos nervos, distorção, etc.
Nos anos 70, para a Quiropráxia poder ser integrada nos sistemas de seguros de saúde norte-americanos, foi criado um documento no qual eram descritas 18 tipos de subluxações, todas elas passíveis de serem observadas por exames raio X. Segundo Stephen Barrett, alguns dos termos utilizados reportam-se a pequenas mudanças degenerativas que ocorrem com a idade e que são condições que nada tem a ver com os sintomas dos pacientes e que não podem ser alteradas ou corrigidas por um tratamento quiropráctico.
Nos finais dos anos 90, a Association of Chiropractic Colleges chegou a uma definição: subluxação é um conjunto de alterações funcionais ou estruturais ou patológicas nas articulações que comprometem a integridade neural. Um ano mais tarde a Foundation for Chiropractic Education and Research publicou um panfleto que explica que a subluxação é um problema das articulações que afecta o funcionamento dos nervos e por isso afecta os órgãos do corpo e a saúde em geral.
PRÁCTICA NA ACTUALIDADE
Não existe propriamente uma prática coerente e homogénea entre as diferentes “escolas” de Quiropráxia e esta situação deriva, talvez, do facto de muitos não se reverem nas ideias panteístas de D. D. Palmer e por a teoria das subluxações não ter suporte científico. No entanto, sem esta teoria, a prática da Quiropráxia está reduzida à terapia manual, cujo modalidade de tratamento é partilhada por osteopatas, fisioterapêutas, medicina desportiva, etc.
Na generalidade podemos distinguir 3 grandes correntes [4] na Quiropráxia:
Straights – São os puristas, seguindo rigorosamente os conceitos iniciais de D. D. Palmer limitando a sua prática à identificação e tratamento das subluxações, mas concluindo, tal como Palmer que as subluxações são responsáveis pelas mais variadas condições: Asma, alergias, gripe, problemas respiratórios, cancro, surdez, poliomielite, papeira, difteria, etc.
Advogam cuidados de saúde com base em filosofias e não na ciência, por essa razão são muito críticos da medicina convencional. Nos EUA, são vários os quiropráticos que, à semelhança dos naturopatas, se opõem às vacinações e outros tratamentos médicos.
Mixers – Esta corrente engloba uma grande maioria de Quiropráticos nos Estados Unidos. Aceitam que nem todas as doenças são causadas por distúrbios de subluxações, aceitam, por exemplo, que existem outras causas para diferentes doenças, como as infecções. Como o nome indica combinam diferentes tipos de terapias ditas alternativas com a manipulação. É comum, por exemplo, a prescrição de produtos homeopáticos, a prática de acupunctura, toque terapêutico, etc. Para o diagnóstico recorrem igualmente a diferentes métodos, incluindo a análise aos cabelos, iridologia, Kinesiologia Aplicada, etc.
Não são anti-vacinação mas defendem o direito à liberdade de escolha individual, ignorando a importância de manter níveis altos de imunização.
Reformers – Uma pequena percentagem de quiropráticos é bastante crítica da quiropráxia “ortodoxa”, por exemplo, rejeitam o conceito de subluxações como base para todas as doenças, e advogam o abandono de práticas pseudocientíficas e reforçam a restrição da quiropráxia para o tratamento de sintomas músculo-esqueléticas. Chegaram a propor um nome diferente para os distinguir da maioria dos praticantes de Quiropraxia, mas essa alteração não teve grande sucesso.
O QUE A CIÊNCIA NOS DIZ?
A Quiropráxia terá provavelmente surgido da longa tradição daquilo que em Portugal chamamos “os endireitas”. E embora exista um leque reduzido onde a prática possa ter resultados benéficos, a base científica para as noções-base da Quiropráxia, tal como noutras terapias com origem em conceitos vitalistas, é muito reduzida. Não existem fundamentos sólidos para aceitar a ideia de energia/força vital ou a inteligência inata tal como D. D. Palmer a concebeu.
Do mesmo modo, a ideia que as subluxações são a causa para 95% de todas as doenças também não tem validade científica. Steven Novella apresenta, por exemplo, os casos de pessoas que sofrem grandes traumas na coluna e os danos neurológicos são vários, desde a paralisia dos membros, a dificuldades respiratórias, etc. Mas esses danos não resultam numa panóplia de todas as doenças . [4]
Por outro lado, um estudo feito em 1973 com intuito de investigar a força necessária para deslocar ossos vertebrais demonstrou que essa força seria a mesma necessária para partir a coluna e logo a manipulação quiroprática não poderá afectar o alinhamento da coluna. [6]
Existem provas que a terapia manual ou manipulação terapêutica é benéfica, por exemplo, para o tratamento sintomático da lombalgia aguda não-complicada. É, inclusive recomendada quando praticada, por exemplo, por fisioterapeutas e outros profissionais de saúde. De salientar, no entanto, que a manipulação é “formalmente contra-indicada em lombalgias complicadas.” [7] [8]
RISCOS
Existem três pontos fundamentais nas críticas à Quiropráxia:
- O excessivo e inútil recurso a exames raios X – Este tipo de exame serve para identificar fracturas, ossos partidos, mas o seu uso para para identificar subluxações é controverso, no mínimo. O recurso intensivo a este tipo de exames expõe pessoas a radiação desnecessária. [9]
- Quiropráxia feita a bebés ou a crianças com o intuito de promover a saúde ou o bem-estar não têm fundamento e são potencialmente perigosas. [10]
- Riscos de acidentes vasculares cerebrais em manipulações no pescoço que podem levar à morte – Existem vários casos documentados de paralisia e morte após manipulações quiropráticas. [11]
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* A prática desta terapia não convencional está fortemente enraizada nos EUA, o seu país de origem. Em Portugal ainda é pouco divulgada, pelo que utilizamos os termos e os exemplos norte-americanos para uma contextualização mais rigorosa.
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REFERÊNCIAS:
[1] Centro Quiropratico Lisboa
[2] Associação Portuguesa dos Quiropráticos
[3] ERNST, Simon, SINGH, Simon, Trick or Treatment, p. 181
[4] Chiropractic – A Brief Overview, Part I « Science-Based Medicine
[5] Subluxation: Chiropractic’s Elusive Buzzword
[6] A Scientific Test of Chiropractic’s Subluxation Theory
[7] TERAPIA MANUAL EVIDENCE-BASED – Disfunções da Coluna Lombar (.pdf)
[8] Efectividade da terapia manual ortopédica num caso de lombociatalgia com um mecanismo dominante de sensibilização nervosa periférica: estudo de caso
[9] Chiropractors’ use of X-rays | Edzard Ernst
[10] Pediatric Chiropractic Care: Scientifically Indefensible?
[11] Neck Manipulation: Risk vs. Benefit
Outras Referências
D.D. Palmer’s Lifeline – Joseph C. Keating, Jr., Ph.D. [versão pdf]
NCAHF – Position Paper on Chiropractic
NCAHF Fact Sheet on Chiropractic (2001)
Twenty Things Most Chiropractors Won’t Tell You
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