O Centro de Ciência Viva do Algarve vai organizar uma palestra no próximo dia 31 de Maio sobre plantas medicinais, um assunto interessante que se enquadra perfeitamente na acção de uma organização que “tem por missão a educação para o conhecimento científico”. Contudo, a escolha do orador, um naturopata, levanta questões que colocam em causa essa mesma missão.
Existe uma ideia fundamental que não deve ser esquecida quando o assunto é as chamadas terapias não-convencionais, alternativas, complementares ou integrativas, um conjunto de designações com uma história muito interessante por trás: todas estas designações englobam um vasto espectro de práticas que vão desde o plausível (p. ex. fitoterapia) até ao puro pensamento mágico (p. ex. o reiki), envolvendo tanto coisas para as quais não existem provas científicas de que funcionem (mas que podem até funcionar), como também, coisas que já foi demonstrado por diversas vezes não funcionarem melhor do que placebo (p. ex. a homeopatia).
A naturopatia é talvez um dos melhores exemplos desta multiplicidade de práticas com diversos graus de plausibilidade e sustentação científica. Esta terapia não-convencional envolve coisas que dificilmente fariam um médico convencional franzir o sobreolho, como as plantas medicinais, exercício e conselhos nutricionais; mas, por outro lado, pode também envolver coisas como a iridologia, reflexologia e homeopatia. De facto, um dos principais pilares da naturopatia, a noção de vitalismo, entra em conflito directo com a ciência moderna e, embora as posições variem entre naturopatas, este está longe de ser o único ponto de discórdia. Vários praticantes cultivam um sentimento anti-vacinação, um fenómeno que está bem documentado na literatura científica [1-5] e é um dos alertas de segurança que figura na página da naturopatia no National Center for Complementary and Alternative Medicine (NCCAM), a agência governamental norte-americana que se dedica à investigação de terapias não-convencionais.
Tendo a própria Universidade do Algarve unidades de investigação ligadas às plantas e à saúde, é no mínimo caricato que o Centro de Ciência Viva do Algarve tenha de recorrer a um praticante de uma terapia não-convencional que envolve princípios e práticas que, no seu conjunto, dificilmente reúnem um consenso científico favorável.
Um dos leitores da Comcept inquiriu directamente o Centro de Ciência Viva do Algarve sobre este assunto e a justificação que recebeu e partilhou connosco foi muito pouco satisfatória. Um dos argumentos utilizados para justificar esta escolha é precisamente o facto de a naturopatia estar entre as terapias não-convencionais incluídas na recente Lei n.º 71 de 2013. Era expectável que este tipo de argumento começasse a surgir, o que aliás tinha já sido previsto pela comunidade céptica ainda antes da implementação da lei. O que não era expectável era que surgisse numa organização como a Ciência Viva, até porque estamos a falar de uma lei com muito mais suporte político do que científico. Outro dos argumentos avançados é que existem actualmente cursos universitários de terapias não-convencionais, um assunto já tratado num dos encontros organizados pela Comcept. Mas este facto, quanto muito, apenas indica a popularidade destas práticas junto da sociedade e não o consenso científico que reúnem.
Ainda que a palestra se restrinja apenas à temática das plantas medicinais, deixando de parte toda a bagagem de validade científica mais dúbia da naturopatia, algo que, obviamente, é difícil de garantir, existem aspectos relacionados com a eficácia e segurança das plantas medicinais que provavelmente seriam melhor abordados por alguém com experiência científica e/ou médica. Torna-se por isso muito difícil justificar a opção que o Centro de Ciência Viva do Algarve tomou.
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[2] Homeopathy and naturopathy: practice characteristics and pediatric care.
[3] A survey of attitudes towards paediatric vaccinations amongst Canadian naturopathic students.
[4] Attitudes towards vaccination among chiropractic and naturopathic students.