A taróloga Maya [1] volta a lançar polémica com as suas interpretações do que as “cartas dizem”. E, novamente, essa polémica relaciona-se com conselhos médicos (portanto, um assunto sério).
Já em 2012, Maya aconselhou, em directo, uma mulher que tinha fracturado a bacia a sair da cama e a deixar o repouso absoluto, contrariando a prescrição médica. Foram estas as suas palavras:
O repouso absoluto não está a pôr as coisas no lugar. E agora como é que o osso cola? É estando deitadinha?
José Manuel Silva, Bastonário da Ordem dos Médicos, reagiu prontamente:
Dizer a uma paciente, em directo, que está a ser mal seguida é errado, principalmente vindo de uma pessoa sem formação médica. É muito grave passar um atestado de incompetência ao médico sem conhecer o historial da paciente. (…) Um aconselhamento médico feito com base na astrologia, além de ser leviano, é um risco para quem o dá e para quem o recebe. Ela [Maya] não pode nem deve aconselhar um doente contrariando uma ordem médica. É um abuso que pode causar malefícios ao paciente. [2, 3]
Na mesma notícia ainda se lê a resposta de Maya, ao Bastonário:
Nunca me aconteceu reclamarem de alguma coisa que eu tenha dito. Os processos por negligência médica em tribunal têm vindo a aumentar. Talvez o Bastonário se queira pronunciar sobre isso. (…) Não acredito que (eu) falhe, mas se falhar não será mais do que alguns médicos. [2]
A Polémica da Semana
Parece que, recentemente, Maya voltou a imiscuir-se nas opiniões médicas. Desta vez, perante um telefonema de uma senhora que estava preocupada com a saúde da sua filha a quem fora identificado um nódulo na tiróide, Maya disse-lhe que não se tratava de um cancro. Apenas olhando para as cartas!
Isto é de uma irresponsabilidade tremenda. Não é possível fazer tal afirmação, sem qualquer exame médico/clínico prévio. E, como é óbvio para toda as pessoas (assim espero), não são as cartas que dão essa indicação.
Comentário
Sempre que me deparo com situações destas, procuro compreender o que leva as pessoas a terem este tipo de comportamento, isto é, a recorrerem a astrólogos, tarólogos, videntes e afins. Uma das conclusões a que chego é que as pessoas procuram-nos por desespero e/ou porque procuram respostas para os seus problemas ou ansiedades. Ou seja, são pessoas que estão de algum modo fragilizadas. Por essa razão, vejo estas práticas como um abuso, um aproveitamento deliberado e consciente da parte de quem presta estes serviços, aproveitando-se da fraqueza dos outros.
Mas os cidadãos também têm a sua dose de responsabilidade nesta história. É por haver procura destes serviços que eles proliferam. Eu compreendo e concordo que as pessoas procurem aconselhamento, mas isso, para mim, não é o que está em causa. O que está em causa é a quem se dirigem para obter esse aconselhamento: se tiverem problemas de saúde devem ir a um médico; se tiverem problemas conjugais, depois de tentarem resolver a situação entre o casal, procurar um terapeuta; perante situações de depressão procurar um psicólogo ou um psiquiatra; e por aí fora. Mas nunca recorrer a astrólogos, videntes e outros, cujas práticas são muitas vezes questionáveis e os resultados maioritariamente nulos.
Outra possível causa é ausência de literacia científica e de espírito crítico. Desta vez, ela (Maya) nem está a interpretar as cartas, mas apenas a responder à ouvinte – repare-se que ela responde enquanto deita as cartas, ou mesmo antes de as deitar; logo, não são as cartas que dão a resposta (como obviamente seria de esperar).
Se repararmos no vídeo partilhado, a Maya apresenta um discurso vago e cheio de generalidades, permitindo que a espectadora vá libertando mais informações sobre si e dando-lhe tempo para pensar no que irá dizer. Se, normalmente, os conselhos são inócuos porque transmitem mensagens de tranquilidade, esperança e de que as situações negativas serão ultrapassadas, outras vezes têm mensagens prejudiciais como a que aqui reportamos, ou a da notícia de 2012 já mencionada, que podem apresentar riscos para a saúde das pessoas, contrariando ordens médicas ou contribuindo para que as pessoas não procurem ajuda profissional.
Termino com a resposta da Maya ao Bastonário da Ordem dos Médicos, acima citada, quando diz que nunca teve reclamações. Assumindo que isso é verdade, se calhar aí reside parte do problema. Os clientes que se sentirem defraudados podem, e devem, reclamar, como o podem fazer de qualquer serviço.
Creio que será novamente uma forte candidata ao nosso prémio Unicórnio Voador.
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[1] De seu nome Eunice Cristina Maia Moraes de Carvalho, adoptou o nome artístico Maya, pelo qual é conhecida.
[2] Maya em guerra com os Médicos
[3] Sobre esta notícia, ler também a análise de Marco Santos, Maya é médica?
5 Comments
Para mim a principal causa é mesmo o que João L. Monteiro disse:
“ausência de literacia científica e de espírito crítico”
Há que incentivar e alimentar a curiosidade desde pequenos. Assim o tenho feito com o meu único filho de 5 anos que muitas vezes me questiona sobre assuntos diferentes.
E, desculpem a falta de modéstia, coisa que não esperava de uma educadora de infância com 14 anos de experiência seria ela dizer-nos (pais) que até à data ele foi o mais inteligente que encontrou.
A curiosidade constante sobre tudo o que nos rodeia, seja sobre medicina, ciências, crenças e outros esoterismos, vai aumentado a eficácia do raciocínio lógico.
Obrigado pelo comentário.
Concordo, a curiosidade e o fascínio pelo que nos rodeia deve ser estimulado desde novos. O mundo torna-se muito mais interessante 🙂
Gostei de saber do comentário da educadora do seu filho, um pequenote com enorme potencial.Parabéns! 😉
Como dizia Einstein “só há duas coisas infinitas: o universo e a estupidez humana; e eu não tenho a certeza sobre o universo”.
O espírito crítico é essencial e o ensino devia ter como prioridade ensinar a pensar em vez de ensinar a regurgitar informações.
Boa! É preciso falar deste absurdo. Sugiro uma leitura do blogue Considerações Hermenêuticas e outros Quejandos, há um grande post acerca disto.