Porque é que tratamentos inúteis parecem funcionar?

E como é que pacientes e terapeutas se convencem disso? Estas são algumas das razões.
Bill Clinton com uma pulseira Power Balance. Crédito: Andres Martinez Casares
Bill Clinton com uma pulseira Power Balance. Crédito: Andres Martinez Casares

Durante muito tempo, os médicos utilizaram tratamentos perigosos e essencialmente inúteis como sangrias e outras purgas, convencendo-se a si mesmos, e aos pacientes, de que aquilo que faziam teria validade. Mais recentemente, as pulseiras Power Balance tornaram-se num sucesso mundial, com revendedores e utilizadores convictos de toda uma gama de efeitos benéficos que seriam comprovados por milhares de clientes satisfeitos e um “teste” de equilíbrio que afinal não testava coisa alguma. Na realidade, as pulseiras maravilha não passavam de uma fraude. O que se passa aqui? Porque será que tratamentos e produtos inúteis se tornam populares e são defendidos com tanta convicção?

Parte da resposta está na tendência que temos em dar demasiado crédito a experiências pessoais, tanto nossas como de terceiros. A verdade é que é muito fácil confundirmos correlação com causalidade e existe uma variedade de fenómenos subtis que podem toldar a nossa percepção e julgamento, sobretudo quando o assunto é a saúde. A ciência e a medicina modernas tentam resolver este problema com ensaios clínicos que são desenhados para eliminar ou reduzir o efeito destas fontes de confusão. E, apesar de não ser um processo perfeito, é, como iremos ver, certamente melhor do que confiar apenas nos nossos sentidos e intuições. Estas são algumas das razões que nos podem levar a concluir que um tratamento ou produto inútil funciona realmente.

O efeito placebo

Os ensaios clínicos de melhor qualidade revelam que a homeopatia não funciona melhor do que um placebo. Crédito: Kachulev
Os remédios homeopáticos têm falhado consistentemente em demonstrar que funcionam melhor do que um placebo. Crédito: Kachulev

Poderá já ter ouvido a expressão “efeito placebo” ou que uma terapia ou remédio “não funciona melhor do que um placebo”. Um placebo pode ser definido como qualquer procedimento que simule um tratamento médico genuíno. Um placebo pode ser um comprimido de açúcar, uma injecção de soro fisiológico, uma cirurgia simulada ou até um medicamento real para outra condição de saúde. O que é importante é que não possua qualquer actividade específica para a condição a ser tratada e que o paciente não o consiga distinguir de uma intervenção médica genuína. Os placebos são regularmente utilizados em ensaios clínicos como forma de avaliar objectivamente a eficácia de um procedimento ou medicamento, mas também podem ser utilizados na prática clínica como uma forma eticamente questionável de lidar com pacientes hipocondríacos. Quando as pessoas se sentem melhor com um simples placebo, esse fenómeno recebe o nome de efeito placebo ou resposta placebo (o efeito contrário também é possível e recebe o nome de efeito nocebo).

Existem dois mecanismos na génese do efeito placebo, ambos com a sua importância, o primeiro e mais conhecido está relacionado com a sugestão e expectativa, o segundo tem a ver com respostas condicionadas. No primeiro mecanismo, as crenças sobre um procedimento ou medicamento placebo activam as expectativas de que um efeito particular irá ocorrer. Por sua vez, o consumo regular de medicamentos com efeitos terapêuticos pode funcionar como uma experiência de condicionamento: o paciente cria uma associação dos efeitos do ingrediente activo com o veículo de administração (comprimido, cápsula, etc.) e, com o passar do tempo, até veículos sem qualquer ingrediente activo são capazes de provocar efeitos sob a forma de um reflexo condicionado.

Alguns dos factores que podem influenciar o efeito placebo são:

  • As crenças e expectativas do paciente: A probabilidade de um efeito placebo é superior quando o paciente acredita que o placebo vai funcionar. Um placebo caro funciona melhor do que um placebo barato, pois existe a expectativa de que um medicamento caro é melhor. Comprimidos de açúcar azuis são associados a um efeito calmante, enquanto comprimidos de açúcar vermelhos provocam um efeito estimulante.
  • Relação terapeuta-paciente: Médicos e terapeutas com uma atitude positiva e confiante sobre o tratamento aumentam a probabilidade de um placebo funcionar. Outras características importantes são a reputação do terapeuta e a atenção e interesse que demonstra pelo paciente.
  • Teatralidade do placebo: Quanto mais drástico e complexo parecer o tratamento, maior é o efeito percepcionado. Dois comprimidos de açúcar funcionam melhor do que um. Uma cápsula de açúcar funciona melhor do que um comprimido de açúcar. Uma injecção de soro fisiológico funciona melhor do que um comprimido ou cápsula.

Os estudos têm demonstrado que o efeito placebo é capaz de provocar alterações neurobiológicas, influenciando neurotransmissores e áreas específicas do cérebro. Condições subjectivas, como a dor, são especialmente influenciadas pelo efeito placebo, sobretudo pelo mecanismo da sugestão e da expectativa. Mas até funções biológicas inconscientes, como a secreção de hormonas e o sistema imunitário, podem ser afectadas, neste caso, pelo mecanismo de condicionamento.

Considerações éticas à parte, não é de todo impossível que o efeito placebo possa vir a ser explorado para benefício de algumas condições de saúde, mas será que este se manifesta em efeitos clínicos úteis de uma forma consistente? Por exemplo, um estudo de 2006 em pacientes com doença de Parkinson, concluiu que a utilização de um medicamento placebo causou uma sensação imediata de melhoria nos pacientes. Contudo, os testes motores não revelaram qualquer melhoria significativa. Em 2011, um estudo em pacientes com asma, concluiu que as melhorias relatadas por quem recebeu um inalador placebo ou acupuntura simulada, rivalizavam com as melhorias relatadas do medicamento genuíno para a asma. Porém, os testes objectivos da função pulmonar revelaram que apenas o medicamento produziu uma melhoria significativa.

Talvez, mais do que um processo de auto-cura pelo “poder da mente”, como muitas vezes é apresentado e vendido, o efeito placebo deva também ser visto como um possível risco para pacientes com doenças graves. Doenças que podem ser negligenciadas devido a sensações subjectivas de melhoria que não se traduzem em resultados reais. Além disso, alguns autores defendem mesmo que, na realidade, existem múltiplos efeitos placebo que, na sua maioria, não são uma resposta biológica, mas antes, erros de observação e interpretação por parte de pacientes e terapeutas. Seguem-se os exemplos mais comuns deste tipo de erros.

A doença seguiu o curso natural

O nosso corpo possui um sistema imunitário e mecanismos de reparação próprios. Consequentemente, muitas doenças podem simplesmente resolver-se sozinhas independentemente do tratamento que se estiver a fazer no momento. E, mesmo condições crónicas como a artrite ou alergias, manifestam-se de forma cíclica com os seus altos e baixos, o que origina várias oportunidades para que pacientes e terapeutas assumam erroneamente que um tratamento inútil é eficaz – os pacientes procuram geralmente ajuda quando os sintomas atingem o seu pior, seguindo-se a fase de melhoria que coincide com o tratamento administrado.

Confusão de tratamentos

Muitos pacientes utilizam vários tratamentos em simultâneo e não é incomum que tratamentos e produtos dúbios recebam a maioria ou até mesmo todos os créditos pela recuperação, inclusive, quando tratamentos de eficácia comprovada foram utilizados em paralelo ou imediatamente antes. Sem uma análise objectiva da eficácia do tratamento ou produto é difícil saber se este teve, de facto, alguma influência na recuperação do paciente.

Diagnósticos e prognósticos incorrectos

Um diagnóstico incorrecto seguido de um tratamento ineficaz pode dar origem a testemunhos de melhorias para condições que acabariam por se resolver sozinhas ou que possuíam uma causa psicossomática. Adicionalmente, é extremamente difícil oferecer prognósticos exactos. Existem pessoas que ultrapassam a esperança de vida prevista para uma doença mortal e o contrário também se verifica. A sobrevivência de um paciente para além do que seria expectável pode acabar por ser atribuída a um qualquer tratamento ineficaz, mesmo quando este não teve influência.

Outros factores

Uma melhoria temporária do estado de espírito do paciente, motivada muitas vezes por um terapeuta confiante, atencioso e carismático, pode ser facilmente confundida com uma melhoria real do estado de saúde. Se o paciente for aconselhado a deixar um tratamento eficaz com efeitos secundários indesejáveis, iniciando um tratamento completamente inútil em substituição, este último pode acabar por receber o crédito de melhorias que se traduzem simplesmente na ausência dos efeitos indesejáveis. Quando existe um enorme investimento emocional, de tempo e de dinheiro num tratamento, tanto pacientes como terapeutas têm tendência a convencer-se a si mesmos de que um tratamento inútil funciona: podem lembrar-se vivamente das aparentes melhorias mas ignorar todas as ocasiões em que um tratamento ou produto não produziu os resultados desejados; ou podem ainda arranjar todo o tipo de racionalizações para o facto de este não funcionar como o esperado, esta tendência é explicada pela teoria da dissonância cognitiva.

Mais informação:

Banha da cobra – os sinais

Why Bogus Therapies Seem to Work (inglês)

Why do ineffective treatments seem helpful? A brief review (inglês)

The Poor, Misunderstood Placebo (inglês)

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