Carlos Fiolhais e David Marçal, A Ciência e os seus inimigos, Lisboa: Gradiva, 2017, 282 pp.
Foi recentemente publicado o livro “A ciência e os seus inimigos” (2017), do físico Carlos Fiolhais e do bioquímico David Marçal. Os autores vêm assim apresentar mais um título que complementa o seu acervo de livros de divulgação de ciência e de denúncia das pseudociências – algo que se pretende passar por ciência, sem o ser – de onde se destaca o livro “Pipocas com telemóvel e outras histórias de falsa ciência” (2012).
Logo na primeira página surge o mote do livro: apesar da omnipresença da ciência e tecnologia em nosso redor, e das melhores condições de vida que as mesmas têm proporcionado, “paradoxalmente, vivemos num mundo em que a ciência tem cada vez mais inimigos (…)”. E que inimigos são esses que ameaçam a ciência? Os autores identificam sete: os ditadores, os ignorantes, os fundamentalistas, os vendilhões, os exploradores do medo, os obscurantistas e os cientistas tresmalhados. Para cada um deles, os autores dedicam um capítulo.
Este livro pretende ser mais do que uma denúncia das pseudociências, como foram trabalhos anteriores dos autores. É verdade que aqui reencontramos temas como as terapias alternativas ou o movimento anti-vacinação, mas com dados actualizados sobre a realidade portuguesa. No entanto, para além de estes temas revisitados, há outros abordados pela primeira vez pelos autores como o efeito de regimes ditatoriais na ciência, a relação entre ciência e religião e a educação.
No que concerne à dualidade entre ciência e religião, é interessante perceber que os autores não vêem na religião necessariamente um inimigo. Nesse capítulo começam por identificar quatro abordagens, baseadas na escala de Ian Barbour (1923-2013), para entender a relação entre as duas áreas presentes na sociedade: a incompatibilidade, a independência de “magistérios”, a sobreposição através do diálogo (complementariedade), ou a sobreposição completa (em que uma prevalece sobre a outra). Questionado sobre a sua posição, Fiolhais tende para a compatibilidade embora com independência: cientistas podem ser crentes, mas separam os dois campos que consideram independentes. Para os autores, o inimigo aqui não é tanto a religião, mas os fundamentalismos, que podem resultar em crenças que querem dominar sobre a ciência, como é o caso do criacionismo e do Inteligent Design, abordados nesse capítulo.
Mais à frente, relativamente ao capítulo sobre a educação, esse poderia ser mais desenvolvido e aprofundado, por exemplo, mencionando abordagens de ensino concretas e realizando uma análise às mesmas.
Numa outra perspectiva, constata-se como a associação entre ciência e política está bem patente neste livro, reflexo de como a relação entre ambas se tem manifestado ultimamente na sociedade. A nível nacional, são frequentes os apelos que os autores fazem para a importância de se tomarem decisões políticas com base no melhor conhecimento disponível, alertando para os erros legislativos cometidos nos últimos anos relativamente às terapias alternativas, comparando o que está a ser feito com companhias de voo alternativas que oferecem viagens em tapetes voadores. Apesar das críticas, os autores defendem uma regulamentação legislativa para as terapias alternativas, embora não aquelas que têm sido aprovadas pelas razões que apresentam, atendendo às alterações mais recentes. Ainda a nível nacional, são também criticadas as universidades que apoiam pós-graduações em disciplinas pseudocientíficas, como a homeopatia, ou que acolhem nos seus auditórios conferências de espiritismo. Como se isso não bastasse, os autores alertam para o tempo disponibilizado para pseudociências, crendices e superstições nos meios de comunicação, quando comparado com o tempo utilizado para divulgação de ciência. A nível internacional, merece destaque o capítulo “Os Ignorantes”, embora muito centrado na realidade americana, e em particular na Administração Trump, caracterizada pela promoção de factos alternativos e pela rejeição de evidências a favor de teorias da conspiração. Mas a tentativa de rejeição de factos científicos pela política não é de agora, como demonstra logo o primeiro capítulo dedicado aos ditadores. É relatado como os governantes totalitários perseguiram e expulsaram cientistas, tentaram implementar “ciências de superioridade nacionalista”, logo, “rácica”, e a promoção de teorias fantasiosas para explicar a formação de mundos, ou até a teoria da terra oca – teorias que não eram baseadas em observações nem evidências, apenas ideológicas, algo que é contrário à ciência.
Mas se há coisa de que não se pode acusar os autores é de cientismo, pois há até um capítulo dedicado a erros e fraudes na ciência, deliberados ou não, expostos por ordem cronológica. Claro que, como os autores referem, esses são casos extremos, e que a ciência tem a capacidade de excluir as más práticas.
Em conclusão, o livro “A ciência e os seus inimigos” tanto pode ser lido por quem agora se depara com o tema do cepticismo, ou por quem acompanha o movimento e quer aprofundar o tema.
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Já que aqui está, sugerimos também a leitura do nosso livro “Não se deixe enganar“.