Votação para o Prémio Unicórnio Voador 2017

Pode votar nos seus nomeados favoritos até 30 de Março de 2018
O Unicórnio Voador. Crédito: Cláudia Barrocas
O Unicórnio Voador. Crédito: Cláudia Barrocas

O Prémio Unicórnio Voador – um prémio feliz para actuações infelizes – é uma distinção satírica concedida pela Comcept, por sugestão dos internautas, às personalidades ou entidades que durante o ano anterior tenham contribuído para a disseminação de pseudociência, superstição e outras formas de desinformação em três categorias distintas:

Grafonola – Para os meios de comunicação e os seus agentes (impressa, rádio, televisão, blogosfera).
Estrela cadente – Para as estrelas de televisão e do mundo artístico, desportivo ou social.
O Rei Vai Nu – Para todos os outros que façam ou contribuam para a propagação de alegações duvidosas sem provas ou contra elas.

Depois da fase de nomeações, chega o momento de votar nos concorrentes seleccionados. Os internautas podem votar nos seus nomeados favoritos até ao dia 30 de Março e os vencedores de cada categoria serão revelados, como sempre, no dia 1 de Abril, o dia das mentiras. Não se esqueça de votar em todas as categorias (três no total).

O ano de 2017 foi bastante difícil com a tragédia dos incêndios e o regresso do sarampo a Portugal. Mas, tendo em conta o espírito do Unicórnio Voador, tentaremos fazer uma revisão optimista do ano que passou. Apesar de tudo, podemos tirar conforto no facto de pela primeira vez em muitos anos estarmos novamente na corrida a um Prémio Nobel da Medicina: falamos de mentes brilhantes como a naturopata Cátia Amoreirinha que confirmou cientificamente a eficácia da homeopatia, ou ainda, a naturopata Cátia Antunes que descobriu que os fornos microondas transformam as nossas cozinhas numa espécie de Chernobil. Ainda dentro do mundo académico, a Faculdade de Farmácia e a Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa adoptaram um inovador modelo de negócio semelhante ao de clubes desportivos: vendendo credibilidade à pseudociência como quem vende direitos do nome de um estádio de futebol. Para terminar descobrimos ainda que os habitantes da Atlântida fugiram para a península Ibérica, o que não é de admirar já que sempre fomos muito acolhedores, venham os imigrantes com visto gold ou numa viagem a pé desde a Índia.

Segue-se a apresentação dos nomeados que foram seleccionados para votação. E que ganhem os melhores dos piores.

Grafonola

RTP1

Não sabemos bem por onde começar, mas tem de ser por algum lado: temos a transmissão de documentários pseudocientíficos como o Colesterol: A Grande Farsa e Roundup em Tribunal; temos um programa Prós e Contras sobre vacinação onde, após o surto de sarampo que levou à morte de uma adolescente, foi dada uma plataforma para que terapeutas alternativos anti-vacinação semeassem ainda mais desinformação; temos programas de entretenimento com uma rubrica dedicada à pseudociência de Manuel Pinto Coelho; temos a jornalista Dina Aguiar que defende a dieta alcalina e diz que em Inglaterra os médicos aconselham a reflexologia para pessoas com HIV; e, temos ainda, uma mensagem perturbadora de alguém que alega ser um «produtor da RTP» que, a ser verdade, pode ajudar a explicar o estado lastimável da qualidade da informação veiculada pelo canal público. E isto são apenas os casos de que tivemos conhecimento. Pode o dinheiro dos nossos impostos ser canalizado para a promoção de agendas anticientíficas? Pelos vistos, pode…

Revista Running

A revista Running é uma revista desportiva de distribuição gratuita onde nem sempre é claro onde terminam os artigos de opinião e começa a publicidade. É o caso de uma série de artigos que aconselham o uso de produtos da gigante homeopática Boiron: «Homeopatia: os tubos que tem de conhecer», «Arnica Montana: o must have do atleta!», «Homeopatia: actualidades & utilidades» e «Gripe ou Constipação? Proteja-se de forma saudável neste inverno [com miudezas de pato diluídas até à não existência!]». Ok, o que está entre parêntesis foi adicionado por nós… Os artigos são assinados por Maria Barata que apenas é identificada como «farmacêutica». Contudo, uma pesquisa na Internet revela que Maria Barata é também a «Product Manager» da Boiron Portugal. A revista Running falha assim em informar os leitores da real natureza destes artigos – são publicidade e não o conselho de uma especialista independente.

SIC

A esta altura quase todos conhecem a história sobre como o jornalista Brian Deer revelou a fraude de Andrew Wakefield que ligava o autismo à vacina do sarampo. Infelizmente, nem todos se lembram de como também alguns jornalistas, mais preocupados com o “equilíbrio de opiniões” do que em verificar a veracidade da informação, contribuíram para semear o pânico e desinformação sobre as vacinas. A SIC parece decidida a repetir os mesmos erros e resolveu procurar um médico anestesista com opiniões anti-vacinas sem qualquer fundamento científico, dando assim a entender que existe uma controvérsia sobre o tema no seio da comunidade médica. Uma ideia que não podia estar mais errada já que o médico foi alvo de um inquérito disciplinar por violação do código deontológico (o que deixou terapeutas alternativos anti-vacinas muito irritados).

Canal História

Há muito que vários canais de televisão decidiram que a ciência é um assunto tão desinteressante que apenas pode ser tratado com generosas doses de entretenimento e “engraçadismo”. Isto é especialmente notório em canais temáticos inicialmente dedicados à ciência mas que ao longo dos anos foram degradando a qualidade dos seus conteúdos em busca de mais audiência. Assim nasceram os documentários de “ciência ficcionada” entre os quais o Alienígenas do Canal História está sem dúvida entre os mais absurdos. O programa, já com doze temporadas, inspira-se nas teorias pseudocientíficas de Erich von Däniken e consiste basicamente num grupo de teóricos da conspiração a debitar todo o tipo de especulações sobre a influência extraterrestre na história da humanidade. Não dizemos que o Canal História mereça um Unicórnio Voador… mas merece um Unicórnio Voador.

Estrela Cadente

Dr. Oz / Web Summit

Num evento onde já existiam bastantes unicórnios, a Web Summit achou que seria boa ideia convidar também Dr. Oz, o “médico celebridade” que promove todo o tipo de pseudociência no seu programa de televisão. Um estudo concluiu que mais de metade das alegações de saúde do programa do Dr. Oz não possuem suporte científico ou contradizem até a ciência. E, em 2015, um grupo de médicos chegou a pedir o afastamento do Dr. Oz da Universidade de Columbia por este promover «charlatanices por interesse financeiro pessoal». Como não poderia deixar de ser, Dr. Oz usou a Web Summit para promover o seu novo negócio, uma app de conselhos de saúde que supostamente consegue analisar os níveis de stress na voz do utilizador para decidir o momento em que os conselhos serão mais persuasivos. Mas será que também consegue convencer o Dr. Oz a parar de promover pseudociência?

Manuel Pinto Coelho

O médico/celebridade parece ter a ambição de se tornar numa espécie de Dr. Oz português e é talvez um dos melhores exemplos do que acontece quando médicos se deixam deslumbrar por pseudociência e um gigantesco ego. Entre a recomendação para beber água do mar, o negacionismo do consenso científico actual sobre o colesterol e as estatinas, tratamentos antienvelhecimento dúbios e até a promoção de aparelhos fraudulentos para detox dos pés, é difícil mantermo-nos a par de todos os disparates defendidos por Manuel Pinto Coelho, mas o projecto Scimed tem feito um óptimo trabalho nessa matéria. Existem já vários processos disciplinares e a própria Ordem dos Médicos acusou publicamente Manuel Pinto Coelho de ser uma ameaça à saúde pública. Não sabemos o que mais precisa Manuel Pinto Coelho de fazer para perder a licença para praticar medicina, mas para ganhar o Unicórnio Voador apenas precisa do seu voto.

Maria Helena Martins

«Muito sensibilizada» com o fim d’A Vida nas Cartas, é possível que a taróloga Maria Helena não tenha conseguido prever o fim do próprio programa a tempo de se preparar psicologicamente. Ou talvez não… Afinal, a taróloga teve o bom senso de diversificar a sua marca com livros, anúncios de suplementos alimentares, uma loja online de rituais e amuletos e o Centro Maria Helena com consultas de tarot, astrologia, reiki e quiromancia com terapeutas «formadas pela Dra. Maria Helena Martins». Adicionalmente, continua a manter um programa na SIC Internacional chamado Ponto de Equilíbrio onde já aconselhou uma mulher traída pelo marido a «ser mais esperta que as galdérias». É caso para dizer que o baralho de tarot utilizado pela Dra. Maria Helena tem opiniões muito controversas.

Carolina Patrocínio e Gonçalo Uva

A Carolina Patrocínio e o marido Gonçalo Uva partilharam uma foto enquanto recebiam um cocktail de vitaminas e aminoácidos por via intravenosa na clínica Reviv de Lisboa. Este “tratamento” é utilizado por alguns naturopatas e recentemente começou a ser exportado para todo o mundo por “clínicas de luxo” que alegam ser capazes de tratar a ressaca, o jet leg e até constipações, mas a evidência científica é pouca ou nenhuma. A Ordem dos Médicos não gostou e, após uma queixa por publicidade enganosa, a Entidade Reguladora da Saúde tentou realizar uma inspecção apenas para encontrar a clínica de porta fechada. No site internacional da Reviv, que ainda permanece online, é possível ver o famoso Alerta Miranda da Charlatanice, que é basicamente uma “confissão” de que os tratamentos não têm fundamento e que é utilizado numa tentativa de evitar problemas com as autoridades. Não é certo se o casal foi pago pela clínica para fazer publicidade, mas não seria surpreendente se assim fosse.

O Rei Vai Nu

Encontro Ciência 2017

Organizado pela FCT com o apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o encontro devia ter servido, como o próprio nome indica, para falar sobre ciência. Mas, sendo o país convidado a Índia, alguém achou que seria engraçado convidar Jorge Veiga e Castro, presidente da Confederação Portuguesa de Ioga, para dar uma palestra sobre pseudociência new age. Algo que nada tem a ver com ciência, com a ciência produzida na Índia ou que faça até parte do credo de todos os praticantes de ioga. Só podemos imaginar o espanto dos mais de quatro mil participantes enquanto ouviam dissertar sobre «o meio criador supra-universal» ou que é possível editar genes e parar de tomar fármacos com ioga. Mas a parte mais bizarra do evento foi talvez o discurso do ministro Manuel Heitor que apelou para que se combatessem os «inimigos da cultura científica». Tendo em conta o que se passou no evento, assim como a legislação para a criação de cursos superiores em terapias pseudocientíficas, perguntamo-nos como é possível levar tais intenções a sério?

Subscritores da petição dos chemtrails

O direito de petição, pode ler-se na página do parlamento, «é o direito de apresentar exposições escritas para defesa de direitos, da Constituição, da lei ou do interesse geral». É um instrumento que permite levar as preocupações dos cidadãos à atenção de quem nos representa. E, para mais de quatro mil cidadãos, o assunto mais preocupante de 2017 foram os chemtrails… Uma teoria que defende que os rastos de condensação deixados por aviões fazem parte de uma conspiração global para envenenar a população. As evidências apresentadas na petição? Um documentário do «Discovery Chanel […] que está disponível na Internet». Uma vez atingido o número mínimo de assinaturas, a petição tem de ser discutida no parlamento. Assim, numa clara tentativa de não ridicularizar os peticionários, os deputados produziram uma série de afirmações genéricas sobre questões ambientais o que, a julgar pelos comentários, apenas irritou mais ainda os teóricos da conspiração. Aguardamos com expectativa a petição para os nossos deputados discutirem a teoria da Terra Plana e a invasão dos reptilianos!

Rui Devesa Ramos e Raquel Varela

Em resposta a um artigo de opinião de David Marçal que criticava a legislação que veio legitimar a ideologia anticientífica que une as terapias alternativas ao movimento anti-vacinação, o psicólogo Rui Devesa Ramos resolveu publicar também um artigo onde defendeu que o perigo é na verdade a «ditadura da ciência» porque a ciência «não passa de uma crença». Por sua vez, Raquel Varela, historiadora e comentadora, produziu uma série de alegações na televisão e nas redes sociais em que começou por negar a existência do consenso científico sobre as alterações climáticas e acabou a justificar esse consenso como resultando de uma “conspiração” que silencia as vozes dissidentes. Resolvemos juntar Rui Devesa Ramos e Raquel Varela na mesma nomeação porque há um tema comum no discurso de ambos: o relativismo pós-moderno que defende que a ciência é somente uma crença entre muitas e tão válida como outra qualquer. Uma ideia remanescente das “guerras da ciência” e que parece ter encontrado um novo fôlego na era da pós-verdade e dos factos alternativos. Estranhamente, não conhecemos nenhum relativista disposto a desconstruir a teoria da gravidade saltando do décimo andar.

Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra

Depois da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa ter realizado um «curso avançado em medicamentos homeopáticos», acção que lhe valeu um Unicórnio Voador em 2014, ficámos a saber que também a Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra oferece uma pós-graduação que tem entre os conteúdos programáticos a homeopatia. Face a comentários que começaram a circular nas redes sociais, o sub-director da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra defendeu a existência do curso escudando-se na legislação sobre a homeopatia e no «currículo profissional inquestionável» da especialista que lecciona o tema. Ou seja, defendeu a existência do curso com argumentos burocráticos e de autoridade. Nós achamos que os cursos científicos devem ser estruturados tendo como base a ciência e fica no ar a dúvida se o tema serve apenas para informar os alunos do enquadramento legal da homeopatia ou se se trata de um curso onde é passada a ideia de que a homeopatia é um tratamento válido.

6 Comments

  1. è muito difícil escolher o maior disparate ainda que alguns pela responsabilidade social que tem ou serviço publico, se destaquem pela negativa

  2. Já fiz o meu dever cívico… Um grande miau para vocês amiguinhos. Muito bom, mas existem muitos muitos outros exemplos, desde infografias sem pés nem cabeça, as notícias falsas de canais mainstream sempre ligadas à instrumentalização através de psicologia barata, marketing manhoso, viéses, estupidez essa também ela racionalizavel, entre outros.

    Miau!

  3. Confesso que foi difícil escolher em todas as categorias; contudo, na última, a visibilidade institucional do Encontro Ciência 2017 tornou as coisas mais fáceis…

  4. Apesar de todos merecerem os prémios, um canal público tem uma responsabilidade acrescida, ainda mais quando dá tempo de antena regular a um dos nomeados.
    Faculdades com cursos de pseudo-ciências, o mais preocupante sem dúvida. Se o bom senso um dia voltar, será que vão indemnizar os estudantes por uma vida profissional destruída e todos os pacientes que eles “trataram”?

Responder a PSantos Cancelar resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Procurar
Outros artigos
Votação para o Prémio Unicórnio Voador 2023
Comcept
Quando o marketing se apropria dos conceitos “Natural” e “Tecnológico”
João L. Monteiro
FORAM EXIBIDOS SERES EXTRATERRESTRES NO MÉXICO?
João L. Monteiro