Hoje, vou contar-vos a história de Pixie Turner: uma guru dos super-alimentos da moda que se tornou numa divulgadora da nutrição baseada em factos. Tive a oportunidade de conhecer pessoalmente esta história de vida, durante a última QEDcon, em Manchester. Este relato é importante porque demonstra que nem sempre devemos rotular automaticamente aqueles que promovem ideias anti-científicas, ou erróneas, como burlões, uma vez que eles podem genuinamente acreditar no que defendem. A realidade é mais complexa, como bem demonstra esta história.
Após o pai de Pixie Turner ser diagnosticado com problemas de saúde associados a elevados níveis de colesterol, Pixie foi fazer exames que revelaram padecer da mesma condição – era um problema hereditário. Antes de começar os tratamentos médicos, tentou alterar o seu estilo de vida, modificando gradualmente a alimentação e passando a fazer mais exercício. Durante esse processo, conta, consultou o “Dr. Google” e ficou a conhecer os mais diversos blogues dos gurus da alimentação e das dietas. O primeiro passo foi experimentar as mais variadas dietas da moda, o segundo foi adoptar as dietas de restrição, removendo certos alimentos da sua alimentação: começou pela carne, peixe, passou aos lacticínios e ovos e, como não poderia deixar de ser nestes tipos de dietas, eliminou também o glúten e o açúcar refinado. Tentava adoptar, obcecadamente, um regime alimentar baseado no que pensava serem comidas “saudáveis” – a esta condição dá-se o nome de ortorexia. Simultaneamente, criou um blogue e uma conta no instagram onde partilhava as suas receitas e fotografias dos seus pratos. De modo gradual, foi obtendo cada vez mais seguidores e pessoas que reforçavam o seu comportamento. Contudo, à medida que aumentava a sua influência digital, diminuía a sua rede social humana, uma vez que as cada vez maiores restrições alimentares impediam-na de socializar com os seus amigos em bares, cafetarias ou restaurantes. Um dos pontos mais baixos foi quando, no seu aniversário, entrou mais tarde na sala de aula e pediu para sair mais cedo, de modo a desencontrar-se dos seus amigos que queriam levá-la a jantar a um buffet chinês. Acabou por passar o aniversário, no quarto, a comer sozinha uma mísera salada de alface.
Depois de acabar o curso na universidade, decidiu tirar um ano para viajar e conhecer outras culturas, fixando-se na Austrália, onde estavam muitas das pessoas que a inspiravam a seguir aquele estilo de vida. Aí, conviveu com outros bloguers e trabalhou em lojas de comida saudável, mantendo a sua actividade nas redes sociais. O acontecimento que a fez questionar o seu estilo de vida foi quando os amigos da comunidade em que estava inserida afirmaram que nunca iriam vacinar os seus filhos. Pixie, sendo cientista (Bioquímica), não aceitou tal ideia, que repudiou. Devido às conversas recorrentes que tinham sobre anti-vacinação, começou a questionar-se se os amigos também não estariam errados noutros conselhos de saúde, mormente associados à alimentação. Durante a sua pesquisa, foi-se deparando com informação escrita por cientistas e por cépticos que punham em causa a maioria das alegações que ela vinha andado a fazer.
No fim desse ano, regressou ao Reino Unido e decidiu fazer uma pesquisa rigorosa. Afinal, sendo cientista, sabia procurar e interpretar artigos científicos. Assim, foi para a biblioteca da faculdade e teve a confirmação de que as dietas que seguia não só não tinham os benefícios que diziam, como a utilização de conceitos como “comida limpa”, “alimentos puros”, “livre-de-culpa”, “saudável”, “real” tinham um efeito moralizante, fazendo as pessoas sentirem-se culpadas por não seguirem um determinado tipo de alimentação ou por não comerem certos alimentos. Foi nessa altura que decidiu fazer um mestrado em Nutrição, para adquirir formação correcta e fidedigna, transmitida por profissionais e não baseada em blogues da internet.
Contudo, aperceber-se que as modas de alimentação estavam erradas não foi suficiente. Ainda havia outro problema: durante anos tinha andado a promover aquele estilo de vida e tipo de alimentação nas redes sociais. Ao ter conquistado largos milhares de seguidores e ter sido paga por marcas para publicitar certos alimentos, é compreensível que tenha sentido um receio paralisante ao imaginar qual seria a reacção dos seus seguidores. A decisão correcta a tomar demorou alguns meses, até que decidiu gradualmente explicar aos seus seguidores que tinha estado enganada e que, a partir desse momento, passaria a divulgar informação e receitas baseadas em evidências ou cientificamente sustentadas. Os receios que tinha confirmaram-se, tendo sido atacada nas redes sociais, insultada e apelidada de vendida. Perdeu imensos fãs, mas considerava que estava a fazer o correcto. Continuou o seu trabalho de influenciadora nas redes sociais, mas agora com informação fidedigna e, gradualmente, foi recuperando o número de seguidores.
O que esta história nos indica é que todos somos falíveis, todos somos capazes de errar, e mesmo tendo formação científica podemos alinhar em ideias sem fundamento, como a própria Pixie reconhece num dos seus livros recentemente publicado, The Wellness Rebel. Mas foi precisamente essa formação base em ciências e o espírito crítico que lhe permitiram pôr em causa as suas ideias e dogmas. Esta história também demonstra que não é tarde para corrigir esses erros e mudar de vida, mesmo que isso tenha impactos na nossa vida e na envolvente social. Pixie não está sozinha neste percurso, muitas pessoas com o tempo vão abandonando as suas crenças e procurando entender a realidade tal como ela é. Nos próximos tempos iremos divulgar mais casos semelhantes.
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