Hoje comentamos um texto que prometia falar da primeira cosmonauta, mas que acabou por se revelar uma oportunidade perdida. Tentemos corrigir esse facto e ainda sugerir um livro.
Este ano celebra-se o cinquentenário da chegada do Homem à Lua a bordo da Apollo 11. A propósito dessa efeméride, Gonçalo Portocarrera de Almada, padre católico e colunista no jornal online Observador, decidiu escrever um texto procurando indicar qual foi a primeira cosmonauta da história da humanidade.
Apoiando-se no que aparenta ser uma perspectiva histórica, começa o texto por mencionar Neil Armstrong e o seu papel na alunagem, recua no tempo para mencionar o soviético Yuri Gagarin como o primeiro homem a viajar ao espaço (1961), para depois dar um salto temporal de milhares de anos e afirmar que o primeiro cosmonauta foi Jesus Cristo, considerando o episódio da ascenção como a primeira viagem espacial.
Não estarei a exagerar se disser que o texto passaria muito bem por uma sátira, tanto pelas surreais afirmações que são feitas, como pelo facto de tentar fazer passar os relatos bíblicos e testemunhos individuais por factos científicos e conhecimento histórico.
Sobre a ideia de Jesus ter sido o primeiro viajante espacial, como quem se aproxima da tese dos Astronautas Antigos (Ancient Aliens) do Canal História, escreve:
Muito se poderia escrever apenas sobre este parágrafo, mas destaco somente dois grandes erros: não é por haver unanimidade entre quatro apóstolos que fizeram uma mesma observação sobre um alegado relato que isso confere “consistência científica” a um suposto evento; assim, também é fantasioso recorrer a criaturas mitológicas (anjos) para fazer pessoas aceitarem algo como se de verdade histórica se tratasse. Como padre católico, o autor do texto deveria saber (certamente sabe) que não se deve olhar para a Bíblia como um livro histórico mas sim literário.
Apesar de tudo isso, o autor não considera Jesus a primeira criatura a ir ao espaço, pois, dada a sua condição divina, não pode ser considerado uma criatura. Assim, afirma que a primeira criatura a ir ao espaço teria sido a sua mãe, Maria, que subira aos céus de corpo e alma, mas não por “virtude própria”, pelo que não realizara uma ascenção, mas uma assunção, conforme explica. E torna a falar das viagens espaciais de Maria efectuadas já no século XX em Fátima, apresentando como “prova” os relatos das pessoas que estavam no local – mas curiosamente omite outros tantos relatos de pessoas que também estavam no mesmo local e não viram nada.
E assim se perdeu uma oportunidade de se falar da primeira cosmonauta que, de facto, foi ao espaço. Vamos então colmatar esta lacuna.
A primeira mulher cosmonauta foi a soviética Valentina Tereshkova (n.1937), que foi ao espaço a 16 de Junho de 1963, a bordo da nave Vostok VI. Cresceu numa família pobre, do proletariado, e com 18 anos foi trabalhar para uma fábrica têxtil. Desde nova deslumbrada pelo céu, inscreveu-se num clube de para-quedistas amadores onde, aos 22 anos, deu o primeiro salto. Tal era o gosto pela actividade que viria a criar um clube idêntico na sua fábrica. Aos 24 anos retomou os estudos para se qualificar como cosmonauta, o que viria a conseguir no ano seguinte. De entre cinco mulheres finalistas, foi ela a seleccionada para o voo, não só por cumprir todos os requisitos, mas principalmente pela sua experiência como para-quedista, uma habilidade importante para a missão que iria desempenhar. Esteve no espaço durante três dias e o seu regresso à Terra foi bastante atribulado, como descreveu nas suas memórias. Foi recebida como heroína e utilizada pela propaganda soviética no contexto da corrida espacial.
Inspirada por esta história, Andreia Nunes escreveu o livro infantil “Valente Valentina”, uma edição bilingue ilustrada por Rachel Caiano, e apresentado em Junho deste ano no Pavilhão do Conhecimento – Ciência Viva, pela Vera Gomes, analista política na área do espaço. Fica a sugestão deste livro e que este possa levar os mais novos a sonhar com o universo.
One Comment
Bom…, V. Tereskhova veio, mais tarde, a ver a luz, o que decerto a levou a apoiar a introdução no preâmbulo da actual Constituição da Rússia que “A Ortodoxia (cristã) é a base da identidade nacional e cultural da Rússia”. Isso nada lhe diminui os méritos como cosmunauta pioneira e mulher de Ciência, mas é para que conste. Ou seria só porque o frio do Inverno (da vida) justifica todas as promiscuidades, como diz Eugénio de Andrade?