Foi recentemente publicado o novo livro de divulgação científica Pipocas com telemóvel e outras histórias de falsa ciência, da autoria do bioquímico David Marçal e do físico Carlos Fiolhais. O tema deste livro vai ao encontro do trabalho que temos desenvolvido na COMCEPT, isto é, informar os cidadãos com base em conhecimento científico, e alertar para a necessidade de espírito crítico assim como para os potenciais riscos das pseudociências. Por esta razão, achamos que o livro agora publicado merece especial destaque na nossa página.
O título do livro remete para umas demonstrações exibidas há uns anos no YouTube, e que pretendem demonstrar que a radiação dos telemóveis é tão elevada que será capaz de transformar o milho em pipocas. Daqui se passa para a analogia de que se isso é possível com o milho, o que não acontecerá aos nossos cérebros que estão em contacto com os telemóveis várias horas ao longo do dia. Este axioma parece levar à conclusão de que as radiações serão nocivas à nossa saúde.
Nesses filmes, víamos três ou quatro telemóveis dispostos em cima de uma mesa, com alguns grãos de milho no meio. Entretanto, um grupo de amigos fazia chamadas para os telemóveis que estavam em repouso na mesa que, pouco depois de começarem a tocar, transformavam o milho em pipocas. Isto acontecia mesmo à frente dos olhos dos espectadores, estava mesmo a acontecer, parecia a “prova-provada” de que a radiação produzia aquele efeito nos grãos de milho. Mas seria mesmo ?
Bom, vamos a factos :sim, os telemóveis emitem radiação, e em particular radiação micro-ondas. No entanto, em termos de frequência, estas radiações estão no lado “mais fraco” do espectro electromagnético, sendo que os telemóveis não emitem energia suficiente para aquecer o milho a tal ponto de o tornar em pipocas (como num forno micro-ondas), senão nem poderíamos agarrar nessa tão útil ferramenta da comunicação. Portanto, fisicamente isso não é possível.
Assim, qual a explicação que os autores do livro dão para o fenómeno observado em vídeo? Na realidade, poderá ter acontecido uma de duas coisas ou se trata de uma montagem, ou têm uma fonte de aquecimento por debaixo da mesa. Mesmo assim, se o leitor não está convencido, veja esta curta demonstração, em que se substituíram os telemóveis por bananas :
O mesmo efeito, mas as bananas não emitem radiações. Logo, a causa tem de ser outra que não a alegada radiação emitida pelas bananas ou telemóveis.
Mas não é só de pipocas e telemóveis que trata o livro. Tal como os autores insistem ao longo da obra, a falsa ciência está por todo o lado: na Internet, nos media, no super-mercado, nas escolas, na saúde e até na própria ciência. Assim, é feita uma reflexão sobre o movimento Nova Era; sobre as tentativas de previsão do futuro; o tema das alterações climáticas; os alegados benefícios dos suplementos alimentares; as curas quânticas, a homeopatia e o movimento anti-vacinas; o ensino do Desenho Inteligente nas salas de aula; a fusão fria e outras fraudes na ciência.
Destes vários assuntos referenciados no livro, gostaria de salientar dois deles o das curas quânticas e o dos suplementos alimentares, em particular dos alimentos probióticos. Neste caso, especificamente na publicidade aos iogurtes que têm determinadas bactérias que alegadamente protegem o nosso organismo, sustentam os autores que não há estudos suficientes que apoiem estas informações, tendo havido mesmo casos de marcas que foram multadas.
Menciono o caso das curas quânticas por estarem a ser cada vez mais difundidas, havendo um aproveitamento do desconhecimento do público sobre este tema. Não existe nenhuma medicina que defenda terapias quânticas, se o leitor se deparar com isto está perante um logro. A mecânica quântica é uma parte da física que explica certos fenómenos que só são observados a uma escala subatómica, não sendo aplicada a uma macroescala, como a dos humanos. Isto toma uma forma preocupante, quando pessoas abandonam tratamentos necessários à sua saúde em prol destas terapias, podendo ficar com graves sequelas por falta de tratamento adequado.
Sendo este um livro de cepticismo e de pensamento crítico, é com agrado que a COMCEPT vê uma referência ao seu trabalho na página 244.
Como nota final, partilho uma entrevista realizada pelo investigador e comunicador de ciência António Piedade aos autores do livro, e que pode ser lida no blogue De Rerum Natura.
Referência:
David Marçal & Carlos Fiolhais, Pipocas com Telemóvel e outras histórias de falsa ciência, Gradiva Publicações, Lisboa, 2012