Pais condenados por negarem assistência médica a filho de 19 meses

Sobre a trágica morte de um bebé por falta de tratamento médico. O pais preferiram "alternativas naturais".

Em muitas muitas ocasiões, perguntam-me (e a muitos outros activistas cépticos): “Qual é o mal?“.

Porque é que nos deveríamos preocupar com pessoas que têm concepções alternativas da realidade que as levam a negar factos cientificamente comprovados?

Sou uma forte defensora da liberdade individual, por isso acho que qualquer adulto/a, desde que alertado para os factos, pode ser livre de tomar más decisões, decisões que o/a prejudiquem.

No entanto, creio que tem que haver uma excepção em relação àqueles e àquelas que não podem decidir por si — nomeadamente, as crianças. E aí estão muitas das respostas à pergunta “Qual é o mal?“.

Quando adultos decidem ignorar as evidências científicas e embarcar no mundo encantado das “terapias alternativas”, levam muitas vezes arrastados para esse bosque de fadas, crianças indefesas e inocentes.

Foi o que aconteceu a Ezequiel Stephan: um bebé canadiano de 19 meses que adoeceu com meningite. O que fizeram os pais? Deram-lhe todo o tipo de beberagens “naturais”. Quando a criança não melhorou e uma enfermeira amiga da família lhes sugeriu que poderia ser um caso de meningite, a mãe fez umas pesquisas no Google e diagnosticou que o filho teria meningite vírica e que necessitava de reforçar o seu sistema imunitário com “antibióticos e anti-inflamatórios naturais” e os suplementos vitamínicos Total Reload  e Empowerplus (que algumas notícias alegam serem vendidos pelo casal Stephan). Como o bebé não melhorou, decidiram então consultar uma naturopata. Mas Ezequiel já estava tão doente que a “terapeuta” nem o examinou. Sem ver o paciente, prescreveu mais um “remédio natural”, tintura de equinácea. Escusado será dizer que Ezequiel piorou ainda mais, embora os pais achassem que ele estaria a melhorar. Quando finalmente a criança deixou de respirar e os pais se decidiram a chamar uma ambulância, foi tarde de mais: o bebé morreu devido a meningite bacteriana depois de mais de duas semanas de sofrimento!

Isto aconteceu em Março de 2012. Este ano, iniciou-se o julgamento dos pais por “negligência das necessidades da vida” do filho e a sentença foi ditada hoje por um tribunal de Alberta: culpados. Incorrem numa sentença de prisão que pode ir até 5 anos.

 

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Algo tem que ser feito para proteger as crianças!

Tal como diz Timothy Caufield no artigo que publicou há algumas horas sobre este trágico caso — e não tenho qualquer dúvida de que isto é uma tragédia para os pais de Ezequiel — e parafraseando:

  • Isto não funciona! — os naturopatas recorrem a uma série de práticas que estão completamente desacreditadas pelos estudos científicos, desde a homeopatia até à quelação ou as irrigações de cólon. Não têm qualquer base científica!
    .
  • Os governos têm que deixar de legitimar o pensamento mágico! — e em Portugal estamos em muito maus lençóis neste aspecto. [Para uma revisão desta temática, recomendamos esta conferência do David Marçal na ComceptCon 2014.]
    .
  • Há que ser honesto sobre a ciência e evitar falsas alegações de eficácia — já que estas profissões foram regulamentadas — e de um modo que as legitima — em Portugal, é necessária então uma fiscalização apertada às alegações médicas que são feitas por estes profissionais. Se necessário, recorrendo também à lei da publicidade enganosa.

Os pais do Ezequiel e muitos outros, têm uma visão distorcida e conspiratória da realidade: acham que existe um grande plano para controlar a saúde das pessoas através da medicação. Qualquer médico competente lhes dirá que a prescrição de medicamentos / internamentos / cirurgias e outros actos médicos são o seu último recurso (sendo por vezes quase obrigados pelos pacientes a “fazerem alguma coisa” ou acham que o médico não foi competente no seu diagnóstico e aconselhamento). O problema é complexo e, como tal, não tem soluções simples. Mas de uma coisa estou certa: há que proteger as crianças do pensamento mágico e irracional dos pais.

 

Sobre a meningite bacteriana

Como nos informa o website do Programa Harvard Medical School Portugal:

[quote]

A meningite bacteriana é uma infecção muito grave e potencialmente fatal que pode afectar pessoas saudáveis, sendo no entanto os bebés e as pessoas idosas os mais susceptíveis.

[/quote]

Perante os primeiros sintomas, é necessário acudir imediatamente a um hospital, por forma a que possa ser tratada com antibióticos endovenosos (requer internamento). O prognóstico indica que 90% dos pacientes podem sobreviver, mas muitas vezes sofrem sequelas como surdez e problemas neurológicos.

No entanto, o Programa Nacional de Vacinação inclui já uma vacina que previne a meningite provocada pelas bactérias Neisseria meningitidis e Haemophilus influenzae, dois dos três agentes bacterianos mais comuns para esta doença (o terceiro é a Streptococcus pneumoniae).

As vacinas são fundamentais!

 

3 Comments

  1. Boa tarde. Queria apenas fazer um reparo: a vacina Prevenar13 (anti-pneumococica) tb já faz parte do PNV desde o ano passado. Felizmente!

  2. Pensamento mágico é acreditar que pedir fiscalização às alegações dos bruxos é coisa que funciona, com todas as provas a apontar o contrário. O que é necessário é um movimento céptico muito mais combativo, que tenha realmente impacto na opinião publica e não medo de confrontar opiniões ideológicas. As leis podem ser alteradas.

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